Pode ser um local físico ou meramente um estado de infinita desolação espiritual, mas todas as religiões têm um inferno para chamar de seu. Pela necessidade de separá-lo completamente do céu e provavelmente pela conveniência no fornecimento energético, várias culturas localizaram o inferno nas entranhas da Terra. Mas o fogo do inferno não consome o que queima, para que a dor seja interminável. Na tradição cristã, o inferno implica sofrimento atroz e eterno, o que não ocorre nas crenças que admitem a reencarnação. No inferno hindu, por exemplo, os apenados poderão retornar à vida depois de milhões de anos de suprema danação, mas na forma de insetos ou répteis, o que é pouco animador. No inferno, não há boas notícias.
Por aqui também não. A conta que chega neste final de ano é alta. O déficit em transações correntes alcançou US$ 83,6 bilhões no acumulado de 12 meses até setembro, o valor mais alto da História. O saldo devedor da balança comercial de outubro foi o mais alto para esse mês desde 1998. As contas públicas, por sua vez, registraram um déficit primário recorde de R$ 25,5 bilhões em setembro. Nos primeiros nove meses do ano, o saldo negativo foi de R$ 15,3 bilhões. Foi a primeira vez que isso aconteceu. O déficit nominal bateu em R$ 69,4 bilhões, o triplo do mesmo mês do ano passado, 4,92% do Produto Interno Bruto (PIB) nos últimos 12 meses, o maior rombo desde dezembro de 2003. A produção industrial em setembro recuou novamente e ficou 1,7% abaixo do volume de setembro de 2008. A produção de carros em 2014 caiu 16%. No mercado de trabalho formal, o saldo acumulado nos últimos 12 meses, até setembro, foi de 423 mil contratações líquidas, apenas 40% da média dos últimos três anos. Como as admissões apresentam tendência de queda e as demissões continuam crescendo, não demorará para esse saldo ficar negativo. Um modelo de amortecimento exponencial duplo indica que já em abril de 2015 o total acumulado de demissões superará o número de contratações, derrubando o último bastião da atual política econômica.
Mas talvez esse cenário sombrio possa ser compensado pelas condições internacionais mais favoráveis - quem sabe a recuperação da economia internacional possa aspergir algumas gotas de orvalho que aliviem as chamas onde são imolados os erros do passado recente? Não, ao contrário. O que vem de fora é uma aragem que só vai atiçar ainda mais as labaredas.
Trabalho recente de economistas da PUC-RJ (A Década Perdida: 2003-2012, V. Carrasco, J. M. Mello e I. Duarte) busca demonstrar que, mesmo quando o quadro internacional foi extremamente favorável para nós, o Brasil cresceu menos, teve mais inflação, investiu menos e avançou menos na escolaridade, quando comparado com outros países emergentes que formam seu grupo de referência.
Quando era mais fácil, tiramos pouco proveito da situação. Mas agora será mais difícil. Os juros internacionais devem aumentar, a economia chinesa desacelera e apresenta o menor crescimento desde 2009 e as cotações das commodities caíram mais de 7% nos últimos 12 meses, até setembro, e retornaram aos níveis de julho de 2007. A zona do euro, por sua vez, flerta com a deflação e está prestes a entrar na sua terceira recessão em seis anos.
Mais fogo. Se o cenário internacional não refresca o calor do inferno - pensariam os otimistas compulsivos -, o alívio, então, poderia vir de uma conjuntura política interna que pudesse apoiar o governo em reformas importantes, criando condições para a aceleração do crescimento. Aqui, no entanto, o risco é de jogarem gasolina nas labaredas. A presidente Dilma Rousseff assume seu segundo mandato no momento em que se engendra uma crise política histórica no País. A coincidência entre a investigação do escândalo da Petrobrás, o fortalecimento da oposição, a formação do embrião de um partido de extrema direita e o enfraquecimento da base parlamentar que apoia o governo promete elevar a temperatura.
Atravessar esses rios de lava não será fácil. Vai ser preciso liberar preços represados, porém isso pressiona a inflação, o que ainda pode piorar com a tendência de desvalorização cambial no rastro do déficit em transações correntes. Inflação mais alta exige juros elevados, o que concentra a renda e pede uma política fiscal austera, mas isso entra em conflito com a base do governo no Congresso Nacional, que quer crescimento, o que não será viável sem investimentos, que ficam inviabilizados pelo crescente déficit público.
O governo poderia aumentar impostos, mas neste caso quem vai chiar é a oposição, que está muito à vontade para exigir tudo de bom, ao mesmo tempo. No meio do caminho, o Congresso pode ainda criar obstáculos para a nova regulação do salário mínimo, acabar com o fator previdenciário, além de já ter cortado os juros de Estados e municípios, o que fragiliza ainda mais as contas do Tesouro Nacional. Escolher um ministro da Fazenda palatável melhora os ânimos, mas não é suficiente para corrigir essas graves distorções.
Durante a campanha deste ano, a presidente Dilma afirmou que se pode fazer "o diabo" quando é hora de eleição. Tudo sugere que, daqui em diante, teremos entre nós a calorosa companhia do tinhoso. A política econômica recente cometeu o pecado de assassinar a lógica, nos termos em que coloca Jamie Whyte (Crimes Against Logic, 2004). Agora pagaremos todos nós, inocentes ou pecadores.
Se tudo der certo, teremos mais quatro anos de crescimento variando entre modesto e medíocre. No segundo mandato o raio de manobra será mais estreito, os riscos serão maiores e as consequências, mais graves. Melhor moderar as expectativas e poupar nosso pessimismo - precisaremos muito dele logo mais.
Por aqui também não. A conta que chega neste final de ano é alta. O déficit em transações correntes alcançou US$ 83,6 bilhões no acumulado de 12 meses até setembro, o valor mais alto da História. O saldo devedor da balança comercial de outubro foi o mais alto para esse mês desde 1998. As contas públicas, por sua vez, registraram um déficit primário recorde de R$ 25,5 bilhões em setembro. Nos primeiros nove meses do ano, o saldo negativo foi de R$ 15,3 bilhões. Foi a primeira vez que isso aconteceu. O déficit nominal bateu em R$ 69,4 bilhões, o triplo do mesmo mês do ano passado, 4,92% do Produto Interno Bruto (PIB) nos últimos 12 meses, o maior rombo desde dezembro de 2003. A produção industrial em setembro recuou novamente e ficou 1,7% abaixo do volume de setembro de 2008. A produção de carros em 2014 caiu 16%. No mercado de trabalho formal, o saldo acumulado nos últimos 12 meses, até setembro, foi de 423 mil contratações líquidas, apenas 40% da média dos últimos três anos. Como as admissões apresentam tendência de queda e as demissões continuam crescendo, não demorará para esse saldo ficar negativo. Um modelo de amortecimento exponencial duplo indica que já em abril de 2015 o total acumulado de demissões superará o número de contratações, derrubando o último bastião da atual política econômica.
Mas talvez esse cenário sombrio possa ser compensado pelas condições internacionais mais favoráveis - quem sabe a recuperação da economia internacional possa aspergir algumas gotas de orvalho que aliviem as chamas onde são imolados os erros do passado recente? Não, ao contrário. O que vem de fora é uma aragem que só vai atiçar ainda mais as labaredas.
Trabalho recente de economistas da PUC-RJ (A Década Perdida: 2003-2012, V. Carrasco, J. M. Mello e I. Duarte) busca demonstrar que, mesmo quando o quadro internacional foi extremamente favorável para nós, o Brasil cresceu menos, teve mais inflação, investiu menos e avançou menos na escolaridade, quando comparado com outros países emergentes que formam seu grupo de referência.
Quando era mais fácil, tiramos pouco proveito da situação. Mas agora será mais difícil. Os juros internacionais devem aumentar, a economia chinesa desacelera e apresenta o menor crescimento desde 2009 e as cotações das commodities caíram mais de 7% nos últimos 12 meses, até setembro, e retornaram aos níveis de julho de 2007. A zona do euro, por sua vez, flerta com a deflação e está prestes a entrar na sua terceira recessão em seis anos.
Mais fogo. Se o cenário internacional não refresca o calor do inferno - pensariam os otimistas compulsivos -, o alívio, então, poderia vir de uma conjuntura política interna que pudesse apoiar o governo em reformas importantes, criando condições para a aceleração do crescimento. Aqui, no entanto, o risco é de jogarem gasolina nas labaredas. A presidente Dilma Rousseff assume seu segundo mandato no momento em que se engendra uma crise política histórica no País. A coincidência entre a investigação do escândalo da Petrobrás, o fortalecimento da oposição, a formação do embrião de um partido de extrema direita e o enfraquecimento da base parlamentar que apoia o governo promete elevar a temperatura.
Atravessar esses rios de lava não será fácil. Vai ser preciso liberar preços represados, porém isso pressiona a inflação, o que ainda pode piorar com a tendência de desvalorização cambial no rastro do déficit em transações correntes. Inflação mais alta exige juros elevados, o que concentra a renda e pede uma política fiscal austera, mas isso entra em conflito com a base do governo no Congresso Nacional, que quer crescimento, o que não será viável sem investimentos, que ficam inviabilizados pelo crescente déficit público.
O governo poderia aumentar impostos, mas neste caso quem vai chiar é a oposição, que está muito à vontade para exigir tudo de bom, ao mesmo tempo. No meio do caminho, o Congresso pode ainda criar obstáculos para a nova regulação do salário mínimo, acabar com o fator previdenciário, além de já ter cortado os juros de Estados e municípios, o que fragiliza ainda mais as contas do Tesouro Nacional. Escolher um ministro da Fazenda palatável melhora os ânimos, mas não é suficiente para corrigir essas graves distorções.
Durante a campanha deste ano, a presidente Dilma afirmou que se pode fazer "o diabo" quando é hora de eleição. Tudo sugere que, daqui em diante, teremos entre nós a calorosa companhia do tinhoso. A política econômica recente cometeu o pecado de assassinar a lógica, nos termos em que coloca Jamie Whyte (Crimes Against Logic, 2004). Agora pagaremos todos nós, inocentes ou pecadores.
Se tudo der certo, teremos mais quatro anos de crescimento variando entre modesto e medíocre. No segundo mandato o raio de manobra será mais estreito, os riscos serão maiores e as consequências, mais graves. Melhor moderar as expectativas e poupar nosso pessimismo - precisaremos muito dele logo mais.
Como disse Dante, voi che qui entrate, lasciate ogni speranza.
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