O desafio é criar-se uma multiplicidade de canais em que o cidadão, sem deixar de se sentir representado nas Casas legislativas, atue de uma maneira mais próxima dos centros de decisão. Em democracias com populações gigantescas, como a brasileira, é fundamental a atenção com a distância entre o Estado e as pessoas. Quanto menor, melhor.
A criação de comissões com representantes do povo para ajudarem na elaboração e/ou execução de políticas específicas é prática antiga. Assim, como alega o governo, não deveria causar qualquer estranheza a instituição de uma política e de um sistema de participação social, por meio do Decreto-Lei 8.243, em maio.
Mas a questão é bem outra. Nada contra comissões em si. O problema, e sério, está na constituição do tal sistema, formado por uma constelação de comissões instaladas na administração direta e mesmo estatais, previstas para atuar em fóruns, mesas de negociação, audiências públicas, conferências nacionais, ouvidorias etc.
Toda esta enorme estrutura criada para supostamente representar a “sociedade civil” ficaria, segundo o decreto, sob a coordenação da Secretaria-Geral da Presidência da República, com status de ministério, hoje ainda ocupada por Gilberto Carvalho, a ser substituído no segundo governo Dilma certamente por outro político da alta hierarquia do PT. Não por acaso.
Na verdade, este “Sistema Nacional de Participação Social” é a materialização em lei da política de aparelhamento do Estado que o partido executa com disciplina desde a chegada ao Planalto, com Lula, em 1º de janeiro de 2003. Sob inspiração chavista. Esta evidência é escancarada quando o 8.243 define, para os fins do sistema de comissões, o que é “sociedade civil”: “O cidadão, os coletivos, os movimentos sociais institucionalizados ou não institucionalizados, suas redes e suas organizações”.
Óbvio, não é simples coincidência esse meio político-social ser o mesmo em que o PT exerce grande influência, tem enorme representatividade e atua até mesmo distribuindo recursos públicos por intermédio de ministérios e autarquias que controla (Incra é um desses guichês generosos).
De qualquer eleição feita neste universo para escolher “representantes do povo” sairão nomes ligados ao PT, a suas correntes e legendas aliadas à esquerda. Um jogo de cartas marcadas.
Esta já seria uma razão forte para a Câmara dos Deputados ter revogado o decreto-lei, decisão a ser confirmada pelo Senado. Outro motivo é que a formulação dessa proposta, capaz de tutelar a máquina do Estado por interesses político-ideológicos específicos e conhecidos, tem de ser feita às claras, no Congresso. Não por uma canetada presidencial.
12 de novembro de 2014
Editorial O Globo
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