É possível que a gente ganhe a final da Argentina; mas o projeto de celebração política do governo Dilma/Lula foi perdido
Vereadores de São Paulo, de bronca porque não receberam ingressos para a abertura da Copa, adiaram a votação de um importante projeto de lei que regula a construção de imóveis na cidade. Por falta de uma boca livre, tomaram uma decisão política até sustentável.
Já em Brasília, deputados fizeram o contrário. Aproveitaram um gesto político — a oposição à medida provisória que cria os conselhos populares — para ganhar uma folga geral durante o mês de Copa. Em protesto contra essa tentativa de formar uma estrutura paralela de controle do Estado, até uma boa atitude, abandonaram o local de trabalho para só voltar às votações quando o governo Dilma retirar a medida. Por coincidência, claro, dá para acompanhar os jogos, digamos, junto às bases.
Assim é a Copa entre nós. O mote é: todo mundo gosta do jogo e da seleção, e isso é o mais importante, certo?
Errado. A maioria gosta, mas os atores sociais e políticos envolvidos sempre procuram tirar alguma coisa extracampo.
Começa pela decisão de sediar a Copa, uma escolha de governo, portanto, uma opção política. Por que os governos fazem isso? Para promover a celebração do país no cenário internacional.
Sim, há toda uma conversa sobre ganhos econômicos e legados, mas isso é muito discutível.
Um país que está na pior, seja por razões econômicas, seja por política, não consegue sediar uma Copa. Só conseguem os países desenvolvidos e/ou emergentes que passam por um bom momento e cujos governos pretendem exibir isso ao mundo.
Foi o caso, evidente, da África do Sul, que promoveu a primeira Copa naquele continente. Seu governo quis mostrar que ali estava um país capaz. Foi o caso das Olimpíadas da China, cuja liderança quis se apresentar ao mundo como a nova potência.
A Alemanha não precisava demonstrar nada a ninguém, mas em 2006 o governo quis fazer a Copa do país reunificado.
Sete anos atrás, quando se candidatou e levou a Copa, o Brasil de Lula vinha bem e já estava com lugar garantido no grupo dos principais emergentes. Por que não consagrar isso com uma Copa, especialmente no país pentacampeão, amante fiel do jogo?
Também teve a conversa do legado, mas era basicamente um projeto político. Isso vinha mais ou menos bem até pouco tempo atrás. As pesquisas mostravam clara maioria a favor da realização do Mundial. A população começava a se animar e a maior preocupação era com o time, que não engrenava.
No dia da inauguração, a percepção se inverteu. A população está superconfiante na seleção, fechou com Felipão, como se viu na final da Copa das Confederações, mas perdeu o encanto com a realização do Mundial. A maioria agora acha que não era uma prioridade e que o governo deveria gastar seu dinheiro com educação, saúde e segurança.
Como tudo por aqui, o ambiente mudou depois das manifestações de junho do ano passado.
E ficamos assim: a celebração em campo é muito provável; é possível até que que a gente ganhe uma final da Argentina, suprema felicidade; mas o projeto de celebração política do governo Dilma/Lula foi perdido.
A presidente está na defensiva diante das críticas que surgem aqui e lá fora ao processo de organização. Está tão na defensiva que precisou apelar para um patriotismo sem sentido. Críticas são consideradas ataques ao Brasil. E a esses “inimigos” Dilma atribui o desejo de ver catástrofes.
Ora, ninguém disse isso. O que muitos disseram, fora do governo, é que havia casos de dengue em número superior ao “normal” nesta época do ano. E há. E que o sistema elétrico estava trabalhando no limite, havendo risco de uns 25% de falta de energia em certos lugares. E há.
Daí a dizer que essas pessoas queriam ver os turistas estrangeiros com dengue, jogados em hospitais públicos sem energia, como sugeriu Dilma, em rede nacional, vai alguma diferença, não é mesmo?
Também é sintomática a reação da militância Dilma/Lula. Se é óbvio que muita coisa não ficou pronta, o pessoal responde: E daí? O importante é que vai ter jogo. Diante do fato de que já ocorre espera longa em aeroportos, o pessoal responde: também há demora nos desembarques em Miami...
Quer dizer, se é tudo meia-boca, estão reclamando de quê, seus...?
Mas dá para entender a bronca de Dilma e de Lula. Tanto esforço e, na hora, nem podem fazer uma bela celebração nos estádios?
Tudo considerado, não vamos cair no extremo oposto. Tem muita coisa que não saiu bem, mas queremos mesmo é ganhar a Copa. Melhor ainda: com um golaço de Messi, superado por dois espetaculares de Neymar, que tal?
Vereadores de São Paulo, de bronca porque não receberam ingressos para a abertura da Copa, adiaram a votação de um importante projeto de lei que regula a construção de imóveis na cidade. Por falta de uma boca livre, tomaram uma decisão política até sustentável.
Já em Brasília, deputados fizeram o contrário. Aproveitaram um gesto político — a oposição à medida provisória que cria os conselhos populares — para ganhar uma folga geral durante o mês de Copa. Em protesto contra essa tentativa de formar uma estrutura paralela de controle do Estado, até uma boa atitude, abandonaram o local de trabalho para só voltar às votações quando o governo Dilma retirar a medida. Por coincidência, claro, dá para acompanhar os jogos, digamos, junto às bases.
Assim é a Copa entre nós. O mote é: todo mundo gosta do jogo e da seleção, e isso é o mais importante, certo?
Errado. A maioria gosta, mas os atores sociais e políticos envolvidos sempre procuram tirar alguma coisa extracampo.
Começa pela decisão de sediar a Copa, uma escolha de governo, portanto, uma opção política. Por que os governos fazem isso? Para promover a celebração do país no cenário internacional.
Sim, há toda uma conversa sobre ganhos econômicos e legados, mas isso é muito discutível.
Um país que está na pior, seja por razões econômicas, seja por política, não consegue sediar uma Copa. Só conseguem os países desenvolvidos e/ou emergentes que passam por um bom momento e cujos governos pretendem exibir isso ao mundo.
Foi o caso, evidente, da África do Sul, que promoveu a primeira Copa naquele continente. Seu governo quis mostrar que ali estava um país capaz. Foi o caso das Olimpíadas da China, cuja liderança quis se apresentar ao mundo como a nova potência.
A Alemanha não precisava demonstrar nada a ninguém, mas em 2006 o governo quis fazer a Copa do país reunificado.
Sete anos atrás, quando se candidatou e levou a Copa, o Brasil de Lula vinha bem e já estava com lugar garantido no grupo dos principais emergentes. Por que não consagrar isso com uma Copa, especialmente no país pentacampeão, amante fiel do jogo?
Também teve a conversa do legado, mas era basicamente um projeto político. Isso vinha mais ou menos bem até pouco tempo atrás. As pesquisas mostravam clara maioria a favor da realização do Mundial. A população começava a se animar e a maior preocupação era com o time, que não engrenava.
No dia da inauguração, a percepção se inverteu. A população está superconfiante na seleção, fechou com Felipão, como se viu na final da Copa das Confederações, mas perdeu o encanto com a realização do Mundial. A maioria agora acha que não era uma prioridade e que o governo deveria gastar seu dinheiro com educação, saúde e segurança.
Como tudo por aqui, o ambiente mudou depois das manifestações de junho do ano passado.
E ficamos assim: a celebração em campo é muito provável; é possível até que que a gente ganhe uma final da Argentina, suprema felicidade; mas o projeto de celebração política do governo Dilma/Lula foi perdido.
A presidente está na defensiva diante das críticas que surgem aqui e lá fora ao processo de organização. Está tão na defensiva que precisou apelar para um patriotismo sem sentido. Críticas são consideradas ataques ao Brasil. E a esses “inimigos” Dilma atribui o desejo de ver catástrofes.
Ora, ninguém disse isso. O que muitos disseram, fora do governo, é que havia casos de dengue em número superior ao “normal” nesta época do ano. E há. E que o sistema elétrico estava trabalhando no limite, havendo risco de uns 25% de falta de energia em certos lugares. E há.
Daí a dizer que essas pessoas queriam ver os turistas estrangeiros com dengue, jogados em hospitais públicos sem energia, como sugeriu Dilma, em rede nacional, vai alguma diferença, não é mesmo?
Também é sintomática a reação da militância Dilma/Lula. Se é óbvio que muita coisa não ficou pronta, o pessoal responde: E daí? O importante é que vai ter jogo. Diante do fato de que já ocorre espera longa em aeroportos, o pessoal responde: também há demora nos desembarques em Miami...
Quer dizer, se é tudo meia-boca, estão reclamando de quê, seus...?
Mas dá para entender a bronca de Dilma e de Lula. Tanto esforço e, na hora, nem podem fazer uma bela celebração nos estádios?
Tudo considerado, não vamos cair no extremo oposto. Tem muita coisa que não saiu bem, mas queremos mesmo é ganhar a Copa. Melhor ainda: com um golaço de Messi, superado por dois espetaculares de Neymar, que tal?
14 de junho de 2014
Carlos Alberto Sardenberg, O Globo
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