Decisão da Justiça dos Estados Unidos determina o pagamento de credores que não aceitaram renegociar dívidas após o calote de 2001
Foi uma bomba. Na segunda-feira, a Suprema Corte dos EUA rejeitou recurso da Argentina e manteve decisão da Justiça de Nova York segundo a qual a Casa Rosada deve pagar US$ 1,3 bilhão a alguns credores que não aderiram à renegociação da dívida externa do país, realizada entre 2005 e 2010.
São os chamados fundos "abutres", que mantêm papéis da dívida externa desde que a Argentina anunciou o calote, em 2001. Anos depois, o governo fez novos acordos em boa parte de seus compromissos internacionais: cerca de 93% de seus títulos, que totalizavam quase US$ 100 bilhões, foram trocados com até 70% de desconto.
Desde então a Argentina vem pagando a dívida reestruturada; além disso, o país procurou dar passos concretos para superar contenciosos com entidades e empresas internacionais. Eram esforços com vistas a normalizar suas relações financeiras com o restante do mundo e, assim, reabrir o acesso aos mercados e a novos meios para financiar seu desenvolvimento.
A decisão da Justiça americana, ao menos a princípio, turva o cenário. A sentença estabelece que o pagamento das parcelas fruto da renegociação --agendadas para o final deste mês-- deve ser simultâneo ao desembolso aos credores que ficaram de fora desse processo e obtiveram vitória judicial.
Se a Casa Rosada não quiser pagar esses antigos credores, estará configurado novo calote. Nesse caso, especula-se que o país ficará sujeito até a arrestos de bens em qualquer parte do mundo, algo incomum quando se trata de um Estado soberano. É fácil adivinhar o debate intrincado que se abrirá no plano do direito internacional.
Por outro lado, obedecer à determinação do Judiciário americano também tem consequências negativas. Todos os credores que não participaram da renegociação na década passada poderão pleitear o mesmo tratamento. Incluindo juros, a conta a ser quitada poderia chegar perto de US$ 15 bilhões --a Argentina tem US$ 28 bilhões em reservas internacionais.
O governo argentino mencionou a possibilidade de manobrar para levar as dívidas renegociadas à jurisdição de Buenos Aires, escapando da americana. Não seria algo simples, contudo.
Em seguida, manifestou disposição para negociar com os credores rebeldes. Ainda assim, há dificuldades: devido a cláusulas contratuais, na prática o governo não pode oferecer, até o fim deste ano, condições mais vantajosas do que as pactuadas entre 2005 e 2010.
Apesar da grita da presidente Cristina Kirchner, a verdade é que interessa à Argentina dar cabo dessas antigas pendências --e a Justiça norte-americana pode ter dado o impulso que faltava para forçar uma solução.
21 de junho de 2014
Editorial Folha de SP
Foi uma bomba. Na segunda-feira, a Suprema Corte dos EUA rejeitou recurso da Argentina e manteve decisão da Justiça de Nova York segundo a qual a Casa Rosada deve pagar US$ 1,3 bilhão a alguns credores que não aderiram à renegociação da dívida externa do país, realizada entre 2005 e 2010.
São os chamados fundos "abutres", que mantêm papéis da dívida externa desde que a Argentina anunciou o calote, em 2001. Anos depois, o governo fez novos acordos em boa parte de seus compromissos internacionais: cerca de 93% de seus títulos, que totalizavam quase US$ 100 bilhões, foram trocados com até 70% de desconto.
Desde então a Argentina vem pagando a dívida reestruturada; além disso, o país procurou dar passos concretos para superar contenciosos com entidades e empresas internacionais. Eram esforços com vistas a normalizar suas relações financeiras com o restante do mundo e, assim, reabrir o acesso aos mercados e a novos meios para financiar seu desenvolvimento.
A decisão da Justiça americana, ao menos a princípio, turva o cenário. A sentença estabelece que o pagamento das parcelas fruto da renegociação --agendadas para o final deste mês-- deve ser simultâneo ao desembolso aos credores que ficaram de fora desse processo e obtiveram vitória judicial.
Se a Casa Rosada não quiser pagar esses antigos credores, estará configurado novo calote. Nesse caso, especula-se que o país ficará sujeito até a arrestos de bens em qualquer parte do mundo, algo incomum quando se trata de um Estado soberano. É fácil adivinhar o debate intrincado que se abrirá no plano do direito internacional.
Por outro lado, obedecer à determinação do Judiciário americano também tem consequências negativas. Todos os credores que não participaram da renegociação na década passada poderão pleitear o mesmo tratamento. Incluindo juros, a conta a ser quitada poderia chegar perto de US$ 15 bilhões --a Argentina tem US$ 28 bilhões em reservas internacionais.
O governo argentino mencionou a possibilidade de manobrar para levar as dívidas renegociadas à jurisdição de Buenos Aires, escapando da americana. Não seria algo simples, contudo.
Em seguida, manifestou disposição para negociar com os credores rebeldes. Ainda assim, há dificuldades: devido a cláusulas contratuais, na prática o governo não pode oferecer, até o fim deste ano, condições mais vantajosas do que as pactuadas entre 2005 e 2010.
Apesar da grita da presidente Cristina Kirchner, a verdade é que interessa à Argentina dar cabo dessas antigas pendências --e a Justiça norte-americana pode ter dado o impulso que faltava para forçar uma solução.
21 de junho de 2014
Editorial Folha de SP
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