Enquanto o mundo acompanha os jogos da Copa 2014, disputada no Brasil, as agências internacionais informam, em despachos urgentes, que rebeldes islâmicos sunitas se encontram há apenas algumas dezenas de quilômetros da capital iraquiana.
Há poucos dias, combatentes do EIIL – Estado Islâmico do Iraque e do Levante, capturaram Tikrit e Mossul, no norte do país, e em rápido avanço, tomaram em seguida Raqqa, Tal Afar, Suleiman Beg e Falluja. Eles cercavam Baquba, para ter acesso à estrada que, ao longo de 60 quilômetros, os separa dos subúrbios de Bagdá.
Surpreendidos e desnorteados pela rapidez dos acontecimentos, os EUA, como já ocorreu antes, quando tiveram que abandonar, ás pressas, o Vietnam e a Somália, anunciaram o envio de 275 soldados para “proteger” seu corpo diplomático – quando na verdade eles podem estar indo para lá para organizar e cobrir sua retirada – no que pode ser o capítulo final de uma enorme tragédia que teve início com duas farsas: a do não comprovado envolvimento do regime de Saddam Hussein com os até hoje também não esclarecidos ataques de 11 de setembro de 2002; e a mentira sobre a existência, no Iraque, de “armas de destruição em massa” que nunca foram encontradas.
USANDO DRONES
Impossibilitado, pela própria opinião pública norte-americana – que não quer nem saber de falar em guerra – de se envolver diretamente com o conflito, os Estados Unidos falam em usar drones para atacar os rebeldes, e se dividem quanto a eventual cooperação com o vizinho estado iraniano, que por ser também xiita, simpatiza com o atual Primeiro-Ministro iraquiano, Nouri Maliki.
Chega a ser irônico que os EUA, agora, falem em proteger a “estabilidade” do Iraque. A intervenção norte-americana no país não foi somente injusta, cruel, absurda e desnecessária. Ela transformou-se em um verdadeiro fiasco moral, militar e econômico para os Estados Unidos.
No dia 16 de março de 2003, pouco tempo antes da invasão, o então Vice-Presidente de Bush, Dick Cheney, afirmou, em um encontro com a imprensa na Casa Branca, que a operação iria custar entre 80 e 100 bilhões de dólares, incluindo a conquista de Bagdá e a ocupação do Iraque, e dois anos de conflito.
Dez anos depois, em maio de 2013, um estudo denominado The Costs of War, do Instituto Watson de Estudos Internacionais da Universidade Brown – a sétima mais antiga dos Estados Unidos – calculou em quanto havia ficado a conta para os contribuintes: um trilhão e setecentos bilhões de dólares, mais 490 bilhões de dólares em despesas médicas e indenizações e pensões para os veteranos, que, até que essa geração desapareça, podem chegar a 6 trilhões de dólares, nos próximos 40 anos.
A isso, é preciso acrescentar, segundo a organização antiwar.com, cerca de 5.000 soldados norte-americanos mortos e desaparecidos, e um número estimado de 100 mil feridos.
134 MIL MORTOS
As mortes diretas de iraquianos, ainda segundo o estudo da Brown, foram de 134 mil civis, número que deve ser multiplicado por quatro, considerados os que morreram por ferimentos, enfermidade e fome até agora, principalmente crianças. Somando-se ao número inicial, membros de “forças de segurança”, rebeldes, jornalistas e funcionários de organizações humanitárias, chega-se a um número aproximado de 189.000 vítimas.
Antes da intervenção norte-americana no Iraque, o regime de Saddam e o dos Aiatolás, se vigiavam mutuamente, contribuindo para manter certo equilíbrio de forças na região.
Com a destruição da nação iraquiana, os Estados Unidos – assim como estão fazendo na Ucrânia, na Síria, na Líbia – substituíram um país relativamente estável, sem grandes conflitos internos, no qual conviviam diversas etnias, por um inferno de morte e violência do qual, como sempre, se afastaram, depois, quando a situação piorou, como se não tivessem absolutamente nada a ver com isso.
E tudo isso para que ? Para, depois de tantos anos de uma guerra tão cara como brutal, desumana e inútil, os EUA, absolutamente impotentes, verem tropas rebeldes sunitas islâmicas – muito mais anti-EUA do que Saddam Hussein jamais foi – tomarem conta do país.
Para, depois, correrem o risco de ter de assistir tropas do Irã – a maior potência política e militar da região – tomarem também a estrada para Bagdá, como pacificadores, entregando o Iraque, de bandeja, para um país que sempre consideraram seu arqui-inimigo naquela região.
21 de junho de 2014
Mauro Santayana
(Jornal do Brasil)
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