Nem o mais lúgubre dos ogros poderia ter antecipado este final bizarro para o mandato da presidente Dilma. Tudo parecia fácil no fim de 2010, quando o crescimento do PIB alcançou 7,3%, o mais alto em 24 anos. Muita coisa mudou desde então.
Diz-se do bom goleiro que não basta ser tecnicamente qualificado; é preciso também ter sorte. Pois a política econômica dos últimos anos, ao revés, não só padeceu de equívocos lamentáveis, como também teve muito azar. Tudo indica que as eleições serão disputadas com indicadores econômicos ainda mais fracos dos que hoje temos.
A julgar pela desaceleração recente, não será surpresa se no dia 29 de agosto próximo, quando o IBGE divulgar o PIB do segundo trimestre, ficar caracterizado que o Brasil está em recessão.
Como sair deste marasmo? Como desatar o nó? É preciso constatar, em primeiro lugar, que o beco em que metemos nossa jamanta é muito estreito.
O raio de manobra é pequeno e não há soluções simples. Portanto, convém rechaçar três ideias encontradiças nestes tempos de embate eleitoral.
A primeira é que um novo ciclo de crescimento poderia ser deflagrado se o novo governo (mesmo que ele seja velho) atenda à pauta das reivindicações populares das manifestações de junho de 2013.
Tolice. Uma das características dessas marchas foi justamente o seu caráter multifacetado e contraditório ("I contradict myself, I am large, I contain multitudes", já disse W. Whitman). Como é típico de manifestações espontâneas desprovidas de liderança, nada do que foi exigido se assemelha a uma agenda de mudanças exequível e consentânea com as restrições institucionais que manietam o governo.
Pedir redução da carga tributária e melhoria dos serviços públicos, por exemplo, é o mesmo que querer ir para o céu sem precisar morrer. Uma segunda falácia é acreditar que, de uma forma ou de outra, cedo ou tarde, o próprio mercado imporá soluções, com o que o novo governo terá apenas que escolher se fará a "lição de casa" (como se o Brasil fosse um aluno relapso) por bem ou por mal. Ora, o mercado não tem - nem deve ter - propostas, compromissos ou soluções.
O conceito de felicidade para traders e tesoureiros é apenas estar comprado quando o preço de um ativo sobe e vendido quando ele declina (e nunca ao contrário).
Se o Brasil vai crescer e o brasileiro prosperar é uma questão secundária.
Nem mesmo quando entendido de forma abstrata como o livre jogo das forças de oferta e demanda o mercado oferece pistas para tirar o país da estagnação, já que há instabilidades intrínsecas ao seu funcionamento, como ensinou H. Minsky.
Se a expectativa de mudança for frustrada, haverá uma pressão sobre o dólar, o que dificultará o ajuste de preços represados e forçará uma nova rodada de elevação de juros, empurrando a recuperação para 2016. Mas a "lição" dos mercados se esgota aí. É uma punição não pedagógica.
Nada garante que disto resulte um novo modelo que engendre um ciclo de crescimento.
Por fim, há que se rechaçar a tese de que tudo não passa de uma crise de confiança e que um governo de oposição conseguiria rapidamente acelerar o crescimento. Aqui é necessário fazer a distinção entre duas agendas.
É provável, necessário e talvez inevitável que o próximo governo se veja na contingência de corrigir os equívocos mais crassos que foram cometidos recentemente.
O atraso dos preços administrados é um exemplo. É evidente que eles serão atualizados após as eleições, mas isto apenas repõe o País nas condições anteriores em que estávamos.
Evita o colapso, mas não nos empurra para a frente. Também algo certamente será feito para recuperar, minimamente, a credibilidade das contas públicas.
O governo atual abusou a tal ponto de artifícios que hoje alguns indicadores fundamentais como dívida pública e resultado primário começam a perder sentido, tamanha a lista de ressalvas para analisá-los.
São medidas importantes, mas paliativas. Colocam-nos de volta à encruzilhada onde escolhemos o caminho errado, mas não definem a rota correta. Se quisermos avançar no ritmo de outros países emergentes, será preciso promover reformas estruturais que redesenhem o pacto social que, aliás, não foi criado pelo atual governo.
Nós, brasileiros, escolhemos ter um Estado grande, generoso, benevolente, capaz de fazer as vezes de uma imensa câmara de distribuição de recursos onde, de um lado, entram impostos e, de outro, saem benefícios.
Há méritos nisso, na medida em que nos tornamos uma sociedade mais solidária, mas a contrapartida é uma elevada carga tributária e uma pequena capacidade de investimento em projetos de grande envergadura que não atraem a iniciativa privada.
Mais: como a expectativa de vida da população aumenta, os gastos com saúde, aposentadoria e pensão crescem mais que proporcionalmente ao crescimento da economia, exigindo novo aumento de impostos ou da dívida pública. Já gastamos com esses itens cerca de 15% do PIB.
A tendência é de elevação nos próximos anos. Reformas estruturais, no entanto, não podem ser feitas sem acordos políticos amplos, o que é particularmente penoso neste nosso presidencialismo de coalizão em que numerosos partidos se comportam como grupos organizados que repartem o butim surrupiado do erário.
De onde se conclui que o verdadeiro desafio para o novo governo é mais político que econômico.
Se das urnas surgir uma liderança capaz de tecer um novo pacto que avance na modernização da economia, temos grande chance de desencadear um novo ciclo de crescimento acelerado.
Caso contrário, o cumprimento de uma agenda meramente emergencial nos salvará do colapso apenas para nos colocar novamente na trilha de um crescimento medíocre.
A julgar pela desaceleração recente, não será surpresa se no dia 29 de agosto próximo, quando o IBGE divulgar o PIB do segundo trimestre, ficar caracterizado que o Brasil está em recessão.
Como sair deste marasmo? Como desatar o nó? É preciso constatar, em primeiro lugar, que o beco em que metemos nossa jamanta é muito estreito.
O raio de manobra é pequeno e não há soluções simples. Portanto, convém rechaçar três ideias encontradiças nestes tempos de embate eleitoral.
A primeira é que um novo ciclo de crescimento poderia ser deflagrado se o novo governo (mesmo que ele seja velho) atenda à pauta das reivindicações populares das manifestações de junho de 2013.
Tolice. Uma das características dessas marchas foi justamente o seu caráter multifacetado e contraditório ("I contradict myself, I am large, I contain multitudes", já disse W. Whitman). Como é típico de manifestações espontâneas desprovidas de liderança, nada do que foi exigido se assemelha a uma agenda de mudanças exequível e consentânea com as restrições institucionais que manietam o governo.
Pedir redução da carga tributária e melhoria dos serviços públicos, por exemplo, é o mesmo que querer ir para o céu sem precisar morrer. Uma segunda falácia é acreditar que, de uma forma ou de outra, cedo ou tarde, o próprio mercado imporá soluções, com o que o novo governo terá apenas que escolher se fará a "lição de casa" (como se o Brasil fosse um aluno relapso) por bem ou por mal. Ora, o mercado não tem - nem deve ter - propostas, compromissos ou soluções.
O conceito de felicidade para traders e tesoureiros é apenas estar comprado quando o preço de um ativo sobe e vendido quando ele declina (e nunca ao contrário).
Se o Brasil vai crescer e o brasileiro prosperar é uma questão secundária.
Nem mesmo quando entendido de forma abstrata como o livre jogo das forças de oferta e demanda o mercado oferece pistas para tirar o país da estagnação, já que há instabilidades intrínsecas ao seu funcionamento, como ensinou H. Minsky.
Se a expectativa de mudança for frustrada, haverá uma pressão sobre o dólar, o que dificultará o ajuste de preços represados e forçará uma nova rodada de elevação de juros, empurrando a recuperação para 2016. Mas a "lição" dos mercados se esgota aí. É uma punição não pedagógica.
Nada garante que disto resulte um novo modelo que engendre um ciclo de crescimento.
Por fim, há que se rechaçar a tese de que tudo não passa de uma crise de confiança e que um governo de oposição conseguiria rapidamente acelerar o crescimento. Aqui é necessário fazer a distinção entre duas agendas.
É provável, necessário e talvez inevitável que o próximo governo se veja na contingência de corrigir os equívocos mais crassos que foram cometidos recentemente.
O atraso dos preços administrados é um exemplo. É evidente que eles serão atualizados após as eleições, mas isto apenas repõe o País nas condições anteriores em que estávamos.
Evita o colapso, mas não nos empurra para a frente. Também algo certamente será feito para recuperar, minimamente, a credibilidade das contas públicas.
O governo atual abusou a tal ponto de artifícios que hoje alguns indicadores fundamentais como dívida pública e resultado primário começam a perder sentido, tamanha a lista de ressalvas para analisá-los.
São medidas importantes, mas paliativas. Colocam-nos de volta à encruzilhada onde escolhemos o caminho errado, mas não definem a rota correta. Se quisermos avançar no ritmo de outros países emergentes, será preciso promover reformas estruturais que redesenhem o pacto social que, aliás, não foi criado pelo atual governo.
Nós, brasileiros, escolhemos ter um Estado grande, generoso, benevolente, capaz de fazer as vezes de uma imensa câmara de distribuição de recursos onde, de um lado, entram impostos e, de outro, saem benefícios.
Há méritos nisso, na medida em que nos tornamos uma sociedade mais solidária, mas a contrapartida é uma elevada carga tributária e uma pequena capacidade de investimento em projetos de grande envergadura que não atraem a iniciativa privada.
Mais: como a expectativa de vida da população aumenta, os gastos com saúde, aposentadoria e pensão crescem mais que proporcionalmente ao crescimento da economia, exigindo novo aumento de impostos ou da dívida pública. Já gastamos com esses itens cerca de 15% do PIB.
A tendência é de elevação nos próximos anos. Reformas estruturais, no entanto, não podem ser feitas sem acordos políticos amplos, o que é particularmente penoso neste nosso presidencialismo de coalizão em que numerosos partidos se comportam como grupos organizados que repartem o butim surrupiado do erário.
De onde se conclui que o verdadeiro desafio para o novo governo é mais político que econômico.
Se das urnas surgir uma liderança capaz de tecer um novo pacto que avance na modernização da economia, temos grande chance de desencadear um novo ciclo de crescimento acelerado.
Caso contrário, o cumprimento de uma agenda meramente emergencial nos salvará do colapso apenas para nos colocar novamente na trilha de um crescimento medíocre.
24 de junho de 2014
Luis Eduardo Assis, O Estadão
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