O chefe Talibã Mullah Omar está coberto de razão, ao declarar uma “grande vitória” a troca de Prisioneiros de Guerra com os EUA. Muitos bodes foram carneados, e a tradicional ceia celebratória está sendo servida, nos vales e vilas de montanhas do Hindu Kush — curry de bode e arroz.
Fato é que os Talibã venceram em quatro diferentes modalidades.
Uma: não importa o que seja dito contra eles, os Talibã foram reconhecidos pela comunidade internacional.
Pode ser pouco reconhecimento, mas reconhecimento é reconhecimento, e quando alguém é reconhecido, o reconhecimento tende a aumentar.
Duas: é imenso reforço na moral do movimento Talibã como um todo, que os EUA tenham sido forçados a libertar cinco altos comandantes Talibãs. É como prêmio à determinação obcecada dos Talibã, que qualquer acordo tenha de ser precedido pela libertação de seus comandantes ainda presos na Baía de Guantanamo.
Três: é claro que o Mullah Omar esteja sendo pintado como homem de 3m de altura, no bazaar afegão. Os afegãos respeitam muito uma boa barganha, e Omar venceu uma, das melhores, e barganhando contra uma superpotência.
Quatro, e por fim, o presidente Hamid Karzai termina sua presidência como força já completamente exaurida, e os Talibã, mais uma vez, veem confirmado o que sempre disseram com incansável insistência: que Karzai jamais teve qualquer importância para o futuro do Afeganistão.
A QUE PONTO CHEGARAM?
E para onde vão os Talibã, a partir desse ponto a que chegaram? A declaração oficial diz que a libertação dos comandantes Talibã foi obtida pela “benevolência de Alá e pelos sacrifícios dos valentes e heroicos Mujahideen.” É justo. A declaração reconhece que houve “negociação indireta” entre os Talibã e os EUA, “mediada” pelo Qatar.
São fatos já de domínio público, mas é importante que os Talibã os tenham reconhecido oficialmente. Interessante: a declaração oficial dos Talibã afirma que as negociações podem continuar, para obter a libertação dos demais Talibã que permanecem presos em Guantanamo. A declaração não diz palavra sobre a resistência, nem traz sequer um termo de propaganda condenando os EUA.
Não surpreendentemente, Karzai está lívido de fúria por não ter sido envolvido nas negociações Talibã-EUA. Mas, já se sabe: no bazaar afegão, Karzai sempre foi considerado sem importância para o futuro do Afeganistão. Não há dúvidas de que Washington humilhou Karzai além de qualquer limite reparável. O campo político de Karzai insiste que ele continuará a ter papel influente mesmo depois que deixar o poder. Mas é falar por falar.
ELEIÇÕES HOJE
O Dr. Abdullah Abdullah ou Asharf Ghani – os dois principais candidatos que disputam eleições dia 14 de junho, talvez não processem Karzai, mas tampouco quererão alguma eminência parda a pairar sobre eles.
Perder poder implica perder capacidade para garantir apadrinhamento efetivo e quem não tem capacidade para apadrinhar efetivamente perde importância. É a lógica da vida desde tempos imemoriais na sociedade afegã.
Significativamente, nem Abdullah nem Ghani criticaram os EUA por negociarem com os Talibã. Claro: agora, como o resto do mundo, os dois também já sabem que o Paquistão está arbitrando todo o jogo envolvendo os EUA e os Talibã, e que o Qatar só está empurrando o carrinho com a bolsa de tacos. Há aí implicações para as políticas futuras de Abdullah e Ghani em relação ao Paquistão.
Como na Índia, há um campo barulhento nos EUA que também clama que a guerra contra os Talibã deve prosseguir até ser ‘vencida’, não importa o quanto demore ou custe. Uma avalanche de críticas apareceu no circuito de Washington contra o presidente Barack Obama. Mas logo amainará, porque há mais gente nos EUA que entende que essa não é guerra dos EUA e que os soldados têm de ser trazidos do Hindu Kush, de volta para casa, o mais depressa possível.
OBAMA DO LADO CERTO
Claramente Obama está do lado certo da história. A troca de prisioneiros de guerra melhora consideravelmente as chances de negociar acordo que envolva os Talibã como elemento basilar da estabilização do Afeganistão.
Os EUA estão caindo fora e tentando prender a maior quantidade possível de ‘fios soltos’: a troca de prisioneiros com os Talibã é movimento nessa linha.
Não esqueçam nem por um segundo que o sargento Bowe Bergdahl realmente desertou, desiludido com a guerra, há cinco anos: deu as costas e saiu andando da base dos EUA. Mesmo assim, Obama decidiu trazê-lo de volta para casa, ele também; e sabia que pagaria alto preço por isso.
Minha opinião é que comandante-em-chefe existe para isso. Uma boa leitura é o artigo de Paul Pillar, ex-analista da CIA, sobre a controversa decisão de Obama.
16 de junho de 2014
MK Bhadrakumar
Indian Punchline
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