Em um livro cujo título em inglês tem um evidente duplo sentido (Left Behind; The University of Chicago Press, 2010), Sebastian Edwards retomou o tema do "populismo econômico" na América Latina, analisado por ele e por Rudiger Dornbusch em 1991. Para eles o populismo econômico existe quando "é enfatizado o crescimento e a distribuição de rendas sem qualquer ênfase nos riscos de inflação e de geração de desequilíbrios externos".
Discutindo o caso do Chile, Edwards expõe em seu livro que, depois de um período de 17 anos de ditadura, no qual foi executado um programa econômico objetivando o equilíbrio fiscal, o controle da inflação e a abertura da economia ao comércio internacional, o recém-eleito presidente, Patrício Alwyn, recebia pressões dos partidos que o apoiaram para aumentar os gastos sociais, visando combater a pobreza e desconcentrar a distribuição de rendas.
Quando, em entrevista dada à Newsweek, seu Ministro de Finanças, Alexandro Foxley, foi questionado se o governo continuaria com as políticas econômicas do governo anterior, às quais eram atribuídos os maus resultados no campo social, ele respondeu: "Manteremos uma economia aberta, plenamente integrada nos mercados mundiais, junto com o dinamismo das exportações e um setor privado plenamente comprometido com o crescimento econômico".
Ao continuar com políticas próximas do que mais tarde se definiu como o "Consenso de Washington", às quais eram atribuídos os maus resultados no campo social, Alwyn não renunciava ao objetivo de combater a pobreza e a concentração de rendas: apenas reconhecia que as duas coisas podiam ser feitas ao mesmo tempo. Desde então, o Chile tem sido exemplo de sucesso na manutenção do crescimento acelerado e na melhora de todos os indicadores sociais.
Ainda que em graus diferentes, FHC e Lula em seu primeiro mandato cuidaram do equilíbrio fiscal, do controle da inflação, e realizaram reformas voltadas ao crescimento econômico, ao mesmo tempo em que combatiam a pobreza e agiam na direção de melhorar a distribuição de rendas. Mostraram que as duas coisas são possíveis ao mesmo tempo.
No entanto, ainda que o Brasil esteja distante dos casos agudos de populismo econômico, como os de Argentina, Venezuela e Bolívia, tem dado passos nessa direção. O combate à inflação foi afrouxado, dependendo mais da repressão dos preços administrados do que das ações do Banco Central; a taxa de juros transformou-se em objetivo de política econômica; e a política fiscal tornou-se expansionista, quer reduzindo os superávits primários - que se escondem atrás contabilidade criativa -, quer transferindo recursos por fora do orçamento para bancos públicos.
Para voltar a crescer, o Brasil teria de retornar ao regime macroeconômico que esteve em prática até o fim do primeiro mandato de Lula, aprimorando-o e afastando-se do populismo econômico.
Mas esta não é a única alteração. Ao explorar as razões para o baixo crescimento na América Latina, Edwards ressalta o fechamento das economias com relação ao comércio internacional. Ainda que existam visões contrárias, há, na literatura, fartas evidências de que os países que crescem mais são os mais abertos ao comércio exterior.
Não se trata de gerar superávits mais elevados no balanço comercial e nas contas correntes, mas simplesmente de elevar ao mesmo tempo o volume de importações e exportações em relação ao PIB, aumentado a proporção de produtos trocados internacionalmente.
Um desses países é a Coreia, que também tem sido usada como um exemplo de sucesso das "políticas industriais". Mas as "políticas industriais" na Coreia não foram usadas para erigir barreiras protegendo a indústria local contra a competição internacional, com empresas multinacionais trazendo investimentos para explorar o seu mercado interno, como ocorre no caso brasileiro. Elas foram usadas para que o aumento das importações reduzisse custos de produção, contribuindo para elevar as exportações.
Proteção. O caminho que vem sendo perseguido pelo Brasil tem uma marca de "proteção à indústria nascente" (que nunca fica adulta), como a que foi usada no período da substituição de importações, e tende a fechar a economia em vez de abri-la ao comércio internacional.
No caso da indústria automobilística, por exemplo, a proteção tarifária e não tarifária mantém elevados os preços dos automóveis, mas são baixas as tarifas sobre partes componentes, o que gera uma forte proteção sobre o valor adicionado, aumentando os lucros, estimulando que mais e mais montadoras de automóveis se mudem para o Brasil.
Contrariamente ao que ocorre na Coreia, no entanto, onde maiores importações baixaram os custos dos produtos voltados para a exportação, no caso brasileiro o desestímulo às importações gerou uma ampliação das margens de lucro dos produtos voltados para o mercado interno, atraindo capitais que entram para explorar as grandes dimensões do nosso mercado doméstico.
No final dos anos 1960 e início dos anos 1970 vivíamos algo semelhante, e a solução encontrada pelo governo foi criar subsídios às exportações. A introdução dos subsídios, que são nitidamente uma distorção, teve o papel de anular (ou pelo menos reduzir) outra distorção, gerada pela elevada proteção (tarifária e não tarifária) às importações. Entrou em cena o que os economistas chamam de "teorema do segundo ótimo" (o teorema do "second best"). O nome é estranho, mas o resultado é obvio. Tudo começa quando um aumento da proteção reduz as importações, o que, por um jogo simples das curvas de oferta e procura de moeda estrangeira, leva à valorização cambial, que, por sua vez, penaliza as exportações. Ou seja, por este mecanismo, um imposto sobre as importações se transforma em um imposto sobre as exportações, desestimulando-as.
O esquema de subsídios às exportações era interessante, porque visava anular o efeito da valorização cambial, mas infelizmente eles são ilegais em acordos internacionais, e não puderam ser mantidos. Por algum tempo reduziram-se as tarifas e as barreiras não tarifárias, mas insidiosamente vêm se elevando, disfarçadas em várias roupagens, como a dos níveis mínimos de conteúdo nacional.
A distorção gerada pela proteção tarifária e não tarifária tem um nome: valorização cambial. É curioso que os empresários da indústria, que são extremamente ativos em combater certas manifestações de valorizações do câmbio nominal, como a que ocorreu quando o Federal Reserve começou a usar as várias versões do quantitative easing, se calem diante da valorização que vem de um protecionismo excessivo.
A explicação está no campo da defesa mais imediata de seus interesses. Quando o câmbio se valoriza porque o diferencial de taxas de juros atrai capital, há um inimigo comum, que são os "especuladores", contra os quais todos se unem. Mas quando a valorização vem de políticas que superprotegem a produção doméstica contra as importações, o setor industrial fica dividido, e a preferência recai sobre o aumento das pressões no governo, que é instado a gerar compensações como o crédito subsidiado, as desonerações tributárias ou outras formas que atendem os interesses dos "rent seekers".
Atualmente, o Brasil não consegue mais crescer absorvendo a mão de obra, como ocorria nos anos do pós-guerra, porque não há mais um "exército industrial de reserva", como havia nos anos 1950 e 1960. Terá de crescer elevando a taxa de investimentos e a produtividade do trabalho, e um caminho é o do aumento da competitividade das exportações, através da maior abertura da economia. Se seguisse este caminho, aumentando importações e exportações, complementado pelos investimentos em capital humano, aumentaria a taxa de investimentos e a produtividade do trabalho. Colheria um crescimento mais acelerado do PIB e uma melhora na distribuição de rendas.
Mas, se continuar com as políticas atuais, progrediremos por algum tempo no campo da distribuição de rendas, mas no campo do crescimento econômico seremos "deixados para trás", como prevê a análise de Edwards.
Discutindo o caso do Chile, Edwards expõe em seu livro que, depois de um período de 17 anos de ditadura, no qual foi executado um programa econômico objetivando o equilíbrio fiscal, o controle da inflação e a abertura da economia ao comércio internacional, o recém-eleito presidente, Patrício Alwyn, recebia pressões dos partidos que o apoiaram para aumentar os gastos sociais, visando combater a pobreza e desconcentrar a distribuição de rendas.
Quando, em entrevista dada à Newsweek, seu Ministro de Finanças, Alexandro Foxley, foi questionado se o governo continuaria com as políticas econômicas do governo anterior, às quais eram atribuídos os maus resultados no campo social, ele respondeu: "Manteremos uma economia aberta, plenamente integrada nos mercados mundiais, junto com o dinamismo das exportações e um setor privado plenamente comprometido com o crescimento econômico".
Ao continuar com políticas próximas do que mais tarde se definiu como o "Consenso de Washington", às quais eram atribuídos os maus resultados no campo social, Alwyn não renunciava ao objetivo de combater a pobreza e a concentração de rendas: apenas reconhecia que as duas coisas podiam ser feitas ao mesmo tempo. Desde então, o Chile tem sido exemplo de sucesso na manutenção do crescimento acelerado e na melhora de todos os indicadores sociais.
Ainda que em graus diferentes, FHC e Lula em seu primeiro mandato cuidaram do equilíbrio fiscal, do controle da inflação, e realizaram reformas voltadas ao crescimento econômico, ao mesmo tempo em que combatiam a pobreza e agiam na direção de melhorar a distribuição de rendas. Mostraram que as duas coisas são possíveis ao mesmo tempo.
No entanto, ainda que o Brasil esteja distante dos casos agudos de populismo econômico, como os de Argentina, Venezuela e Bolívia, tem dado passos nessa direção. O combate à inflação foi afrouxado, dependendo mais da repressão dos preços administrados do que das ações do Banco Central; a taxa de juros transformou-se em objetivo de política econômica; e a política fiscal tornou-se expansionista, quer reduzindo os superávits primários - que se escondem atrás contabilidade criativa -, quer transferindo recursos por fora do orçamento para bancos públicos.
Para voltar a crescer, o Brasil teria de retornar ao regime macroeconômico que esteve em prática até o fim do primeiro mandato de Lula, aprimorando-o e afastando-se do populismo econômico.
Mas esta não é a única alteração. Ao explorar as razões para o baixo crescimento na América Latina, Edwards ressalta o fechamento das economias com relação ao comércio internacional. Ainda que existam visões contrárias, há, na literatura, fartas evidências de que os países que crescem mais são os mais abertos ao comércio exterior.
Não se trata de gerar superávits mais elevados no balanço comercial e nas contas correntes, mas simplesmente de elevar ao mesmo tempo o volume de importações e exportações em relação ao PIB, aumentado a proporção de produtos trocados internacionalmente.
Um desses países é a Coreia, que também tem sido usada como um exemplo de sucesso das "políticas industriais". Mas as "políticas industriais" na Coreia não foram usadas para erigir barreiras protegendo a indústria local contra a competição internacional, com empresas multinacionais trazendo investimentos para explorar o seu mercado interno, como ocorre no caso brasileiro. Elas foram usadas para que o aumento das importações reduzisse custos de produção, contribuindo para elevar as exportações.
Proteção. O caminho que vem sendo perseguido pelo Brasil tem uma marca de "proteção à indústria nascente" (que nunca fica adulta), como a que foi usada no período da substituição de importações, e tende a fechar a economia em vez de abri-la ao comércio internacional.
No caso da indústria automobilística, por exemplo, a proteção tarifária e não tarifária mantém elevados os preços dos automóveis, mas são baixas as tarifas sobre partes componentes, o que gera uma forte proteção sobre o valor adicionado, aumentando os lucros, estimulando que mais e mais montadoras de automóveis se mudem para o Brasil.
Contrariamente ao que ocorre na Coreia, no entanto, onde maiores importações baixaram os custos dos produtos voltados para a exportação, no caso brasileiro o desestímulo às importações gerou uma ampliação das margens de lucro dos produtos voltados para o mercado interno, atraindo capitais que entram para explorar as grandes dimensões do nosso mercado doméstico.
No final dos anos 1960 e início dos anos 1970 vivíamos algo semelhante, e a solução encontrada pelo governo foi criar subsídios às exportações. A introdução dos subsídios, que são nitidamente uma distorção, teve o papel de anular (ou pelo menos reduzir) outra distorção, gerada pela elevada proteção (tarifária e não tarifária) às importações. Entrou em cena o que os economistas chamam de "teorema do segundo ótimo" (o teorema do "second best"). O nome é estranho, mas o resultado é obvio. Tudo começa quando um aumento da proteção reduz as importações, o que, por um jogo simples das curvas de oferta e procura de moeda estrangeira, leva à valorização cambial, que, por sua vez, penaliza as exportações. Ou seja, por este mecanismo, um imposto sobre as importações se transforma em um imposto sobre as exportações, desestimulando-as.
O esquema de subsídios às exportações era interessante, porque visava anular o efeito da valorização cambial, mas infelizmente eles são ilegais em acordos internacionais, e não puderam ser mantidos. Por algum tempo reduziram-se as tarifas e as barreiras não tarifárias, mas insidiosamente vêm se elevando, disfarçadas em várias roupagens, como a dos níveis mínimos de conteúdo nacional.
A distorção gerada pela proteção tarifária e não tarifária tem um nome: valorização cambial. É curioso que os empresários da indústria, que são extremamente ativos em combater certas manifestações de valorizações do câmbio nominal, como a que ocorreu quando o Federal Reserve começou a usar as várias versões do quantitative easing, se calem diante da valorização que vem de um protecionismo excessivo.
A explicação está no campo da defesa mais imediata de seus interesses. Quando o câmbio se valoriza porque o diferencial de taxas de juros atrai capital, há um inimigo comum, que são os "especuladores", contra os quais todos se unem. Mas quando a valorização vem de políticas que superprotegem a produção doméstica contra as importações, o setor industrial fica dividido, e a preferência recai sobre o aumento das pressões no governo, que é instado a gerar compensações como o crédito subsidiado, as desonerações tributárias ou outras formas que atendem os interesses dos "rent seekers".
Atualmente, o Brasil não consegue mais crescer absorvendo a mão de obra, como ocorria nos anos do pós-guerra, porque não há mais um "exército industrial de reserva", como havia nos anos 1950 e 1960. Terá de crescer elevando a taxa de investimentos e a produtividade do trabalho, e um caminho é o do aumento da competitividade das exportações, através da maior abertura da economia. Se seguisse este caminho, aumentando importações e exportações, complementado pelos investimentos em capital humano, aumentaria a taxa de investimentos e a produtividade do trabalho. Colheria um crescimento mais acelerado do PIB e uma melhora na distribuição de rendas.
Mas, se continuar com as políticas atuais, progrediremos por algum tempo no campo da distribuição de rendas, mas no campo do crescimento econômico seremos "deixados para trás", como prevê a análise de Edwards.
19 de maio de 2014
Affonso Celso Pastore, O Estadão
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