Lá vem a polícia! O jovem esquio, canelas finas, fáceis magra de pouca comida, já se acostumou com toda aquela parafernália de entrada na favela; coletes à prova de bala, armas, tiros para demonstração de força, carro blindado, figuras se esgueirando pelos cantos.
- Eu não quero polícia. Encontraram papelotes e até uma arma velha.
Apareceu no noticiário: traficante preso durante a operação “rabo de peixe” na favela...
Ao entrar na viatura policial olha para o chão entre envergonhado e revoltado mas tenta, num entreolhar para os lados, perceber as presenças atônitas, indiferentes e amedrontadas dos circunstantes. Ele estava vivo. Não virou presunto. Não foi vítima de tiro dirigido ou eventual bala perdida. Percebeu o velho Januário encostado numa parede. Incrível! Será que ele está chorando? Lágrimas no empedernido e lutador nordestino naquela saída da favela?
Há alguns anos, lá no meio, criaram uma associação de moradores e dela o presidente Januário podia sentir o difícil pulsar de vida da sua comunidade. Via passar as moças de “barriga”. Em pouco sabia das crianças que nasciam. Não demorava e elas passavam segurando a mão dos filhos no caminho da escola cheia de dificuldades. Sofria com a pouca existência de espaços para eles brincarem.
Moradores, desassistidos sociais, fixados ali por falta de opção, em geral são criminalizados na maior parte das atividades e reivindicações tentadas. Para reclamar das máquinas que desempregam ou fazer uma manifestação por uma creche a primeira coisa que “autoridades” fazem é chamar a polícia para dar umas borrachas nos manifestantes. As irrequietas crianças crescem e correm para entrar no mundo do trabalho mas não conseguem nada. Não têm experiência nem bom estudo...
Poxa, Sr Januário. Não tem um emprego para mim?
Como autônomo vai para o Exército o que não garante um emprego pois só alguns poucos conseguem seguir na carreira.
De repente, se vê na direção de seguir o descaminho como outras pessoas que passaram pelo problema com o descaminho é o próprio desemprego. O jovem fica ocioso pelas esquinas, frustrado que deseja usar um tênis de marca pois este é o modelo da ditadura do consumismo. A “bolha de plástico” transformada em item fundamental para a entrada no mundo.
Assim, para existir, ser visível na sociedade, têm que entrar numa vida errada para usufruir das coisas divulgadas, têm que partir para o lado negativo até porque os de lá são os que têm as mulheres, as roupas, os tênis, um retrato do sucesso divulgado pela “mídia”.
Quem marginalizou foi o sistema. Não há emprego na favela. Há jornadas por bola de gude. Por que corram aos órgãos governamentais é difícil trazer uma melhoria direta. O papel social das igrejas não influi no geral. Falhou tudo que é social que deveria ter atendimento saúde, saneamento e habitação. Falhou tudo que é social que deveria ter atendimento universal. No vácuo, chega o traficante prestando ajuda, cesta básica, etc. Eles oferecem, muita gente vai lá pedir porque está passando fome. Para procurar um emprego, foi o traficante que deu o dinheiro da passagem.
Os favelados, os moradores dos morros hoje têm uma injusta má fama e ninguém se lembra de que não é o favelado pé de chinelo quem traz ou fabrica mas o figurão de fora com pinta de ser bom. O jovem não consegue ser um cara ideológico com ideias de comunidade, cada vez mais absorvido por fanatismos de futebol. A nossa política cultural é direcionada à juventude com ideias enlatadas (hallowen), músicas e danças jogadas para botar os jovens para te bolar e requebrar e não estudar. O canto e a dança na alma do nosso povo, são ótimos mas não como processo de alienação.
O Januário vendo aquele jovem tão próximo do seu afeto, empurrado para o camburão. Jura que viu o seu olhar súplice exclamando: Eu só queria um emprego!
19 de maio de 2014
Rui Nogueira é Escritor.
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