Pode ter sido apenas um ato falho, mas a gafe do presidente da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero), Gustavo do Vale, ao dizer que é possível "tapear" as atrasadíssimas obras nos aeroportos, para que não atrapalhem os turistas durante a Copa do Mundo, definiu com precisão vernacular a gestão petista na área aeroportuária. "Tapear", conforme o Aurélio, significa "enganar, iludir, lograr, burlar, embaçar".
Vale referiu-se especificamente às obras do Aeroporto Internacional Tancredo Neves, em Confins, região metropolitana de Belo Horizonte. Pelo que se depreende de suas explicações, "tapear" significa isolar os setores ainda inacabados daquele terminal para que o aeroporto possa funcionar, mesmo de modo precário.
"Reconheço que as obras não ficarão com aquilo que prevíamos para a Copa", disse Vale. "Podemos 'tapear' (sic) as obras de modo que melhore a operacionalidade sem terminar ela como um todo. Em determinada área que está em obra, você isola aquela área, mas libera outras áreas onde as obras já terminaram." Isso significa que os turistas serão recebidos em Confins - e em outros terminais - conforme o famoso "jeitinho brasileiro".
Em janeiro passado, o ministro da Secretaria de Aviação Civil da Presidência da República, Moreira Franco, já admitia, ante as evidências, que seria necessário "construir alternativas" para driblar os problemas nos aeroportos. Até "puxadinhos" de lona e com estrutura pré-fabricada estão nos planos do governo para dar aos terminais condições mínimas.
A declaração do presidente da Infraero, portanto, não é uma aberração. Faz parte do discurso oficial, adotado desde que ficou claro, mesmo para os patrioteiros mais otimistas, que as obras nos aeroportos sofreriam atrasos - apesar dos sete anos que o País teve para se organizar para a Copa. Mas os problemas relativos ao Mundial mascaram questões de fundo, muito mais relevantes, a começar pelo modelo de concessão dos aeroportos.
O caso de Confins é exemplar. O terminal foi arrematado em novembro pelo consórcio BH Airport, formado pelos operadores Flughafen München e Flughafen Zürich em sociedade com a construtora CCR. Assim como aconteceu em outros contratos de aeroportos celebrados pelo governo Dilma, o BH Airport ficará com 51%, enquanto a Infraero deterá 49%.
O problema desse modelo é que ele impõe à Infraero significativa perda de receita - como aconteceu quando foi reduzida sua participação nos lucrativos aeroportos de Guarulhos, de Viracopos e de Brasília, dos quais detinha 100%. Como a empresa administra dezenas de aeroportos deficitários e ainda terá de injetar recursos para pagar sua parte nos investimentos projetados nos aeroportos dos quais será sócia, é presumível que a situação de suas contas, já dramática, torne-se crítica.
Assim, conforme já se admite na Infraero, serão necessários cortes de gastos que vão afetar desde a manutenção de ar-condicionado até o sistema elétrico que alimenta sistemas de auxílios visuais e de navegação aérea, com riscos à segurança. Ademais, conforme constatou o Tribunal de Contas da União, a Infraero ainda não tem estrutura de gestão para administrar sua participação nesses negócios.
Um vexame na Copa do Mundo é, como se vê, o menor dos problemas. Serão apenas 30 dias, nos quais o País será testado em diversas frentes e provavelmente se sairá bem em algumas - talvez seja até campeão - e não tão bem em outras. Pouco importa. O que interessa é que os atuais problemas nos aeroportos são apenas parte de um erro muito mais amplo: o modelo de concessão transformou a lucrativa Infraero - que nunca foi eficiente - numa empresa em crise.
Na solenidade em que assinou o contrato de Confins, Dilma disse que o objetivo desse modelo danoso é "providenciar a modernização" do setor. Eis, portanto, o que é "tapeação": empreender uma "privatização" que, para não parecer privatização, onera os cofres públicos, prejudica estatais e não resulta necessariamente em melhoria dos serviços.
15 de abril de 2014
Editorial O Estadão
Vale referiu-se especificamente às obras do Aeroporto Internacional Tancredo Neves, em Confins, região metropolitana de Belo Horizonte. Pelo que se depreende de suas explicações, "tapear" significa isolar os setores ainda inacabados daquele terminal para que o aeroporto possa funcionar, mesmo de modo precário.
"Reconheço que as obras não ficarão com aquilo que prevíamos para a Copa", disse Vale. "Podemos 'tapear' (sic) as obras de modo que melhore a operacionalidade sem terminar ela como um todo. Em determinada área que está em obra, você isola aquela área, mas libera outras áreas onde as obras já terminaram." Isso significa que os turistas serão recebidos em Confins - e em outros terminais - conforme o famoso "jeitinho brasileiro".
Em janeiro passado, o ministro da Secretaria de Aviação Civil da Presidência da República, Moreira Franco, já admitia, ante as evidências, que seria necessário "construir alternativas" para driblar os problemas nos aeroportos. Até "puxadinhos" de lona e com estrutura pré-fabricada estão nos planos do governo para dar aos terminais condições mínimas.
A declaração do presidente da Infraero, portanto, não é uma aberração. Faz parte do discurso oficial, adotado desde que ficou claro, mesmo para os patrioteiros mais otimistas, que as obras nos aeroportos sofreriam atrasos - apesar dos sete anos que o País teve para se organizar para a Copa. Mas os problemas relativos ao Mundial mascaram questões de fundo, muito mais relevantes, a começar pelo modelo de concessão dos aeroportos.
O caso de Confins é exemplar. O terminal foi arrematado em novembro pelo consórcio BH Airport, formado pelos operadores Flughafen München e Flughafen Zürich em sociedade com a construtora CCR. Assim como aconteceu em outros contratos de aeroportos celebrados pelo governo Dilma, o BH Airport ficará com 51%, enquanto a Infraero deterá 49%.
O problema desse modelo é que ele impõe à Infraero significativa perda de receita - como aconteceu quando foi reduzida sua participação nos lucrativos aeroportos de Guarulhos, de Viracopos e de Brasília, dos quais detinha 100%. Como a empresa administra dezenas de aeroportos deficitários e ainda terá de injetar recursos para pagar sua parte nos investimentos projetados nos aeroportos dos quais será sócia, é presumível que a situação de suas contas, já dramática, torne-se crítica.
Assim, conforme já se admite na Infraero, serão necessários cortes de gastos que vão afetar desde a manutenção de ar-condicionado até o sistema elétrico que alimenta sistemas de auxílios visuais e de navegação aérea, com riscos à segurança. Ademais, conforme constatou o Tribunal de Contas da União, a Infraero ainda não tem estrutura de gestão para administrar sua participação nesses negócios.
Um vexame na Copa do Mundo é, como se vê, o menor dos problemas. Serão apenas 30 dias, nos quais o País será testado em diversas frentes e provavelmente se sairá bem em algumas - talvez seja até campeão - e não tão bem em outras. Pouco importa. O que interessa é que os atuais problemas nos aeroportos são apenas parte de um erro muito mais amplo: o modelo de concessão transformou a lucrativa Infraero - que nunca foi eficiente - numa empresa em crise.
Na solenidade em que assinou o contrato de Confins, Dilma disse que o objetivo desse modelo danoso é "providenciar a modernização" do setor. Eis, portanto, o que é "tapeação": empreender uma "privatização" que, para não parecer privatização, onera os cofres públicos, prejudica estatais e não resulta necessariamente em melhoria dos serviços.
15 de abril de 2014
Editorial O Estadão
Nenhum comentário:
Postar um comentário