Os 50 anos do movimento de 31 de março de 1964, marco de um período de anomalias institucionais impostas ao país pela ditadura militar então instaurada, têm dado margem a uma profusão de iniciativas para lembrar a data e episódios decorridos ao longo daquele momento político de exceção. Do ponto de vista da História, rememorar fatos pode ser salutar para evitar a repetição de atos que desserviram ao país. Mas é preciso distinguir, nesse olhar para trás, entre o que acrescenta positivamente à memória de uma nação (trazendo para o presente e projetando para o futuro os ensinamentos do passado) e aquilo que, como expressão de um revisionismo em si, está destituído de representatividade. Neste caso, as portas da discussão se abrem para sentimentos menos nobres, como interesses políticos, vendetas etc.
É nesse terreno que vicejam as tentativas de rever, e até mesmo anular, a Lei de Anistia. Instrumento jurídico que resultou de delicada costura política entre os generais e uma oposição fortalecida nas ruas e nas urnas, já nos estertores de um regime que, não obstante, ainda dispunha de considerável poder dissuasório, a anistia de 1979 tem um pressuposto inegociável — o perdão recíproco, tanto a agentes públicos envolvidos em atos reprováveis quanto a militantes de organizações da esquerda armada, num leque que também incluía opositores de todos os matizes ao regime militar. E válido somente para crimes cometidos até à data de promulgação da Lei.
O mais recente ensaio de revisão dos efeitos da lei deu-se semana passada, com a aprovação, na Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, de um projeto que propõe tornar nulo o perdão a militares, policiais e civis envolvidos em atos como tortura, morte e desaparecimento de guerrilheiros/terroristas. A julgar pelo fracasso anterior de proposições semelhantes, e pelos lastros políticos e jurídicos que amparam o grande pacto de remissão de 79, é pouco provável que esse seja bem sucedido.
Mas, mesmo como gesto simbólico, com poucas chances de produzir efeitos, iniciativas como essa vão contra um dos mais importantes legados da lei — a pacificação de um país que então procurava caminhos para a normalização democrática sem traumas, objetivo que se completou com a promulgação da Constituição, em 1988.
O Brasil que saiu de um longo período de anormalidade merece hoje que suas forças políticas mirem à frente, no caminho da consolidação do estado democrático.
Ademais, é preciso que seja respeitado tudo aquilo que baliza a Lei de Anistia. Ela resultou de um acordo do qual participou amplamente a oposição. Com todos os seus artigos, está lastreada por decisão soberana do Congresso e por pareceres do Supremo Tribunal Federal. São, todas essas, instâncias que lhe conferem legitimidade política e histórica.
É nesse terreno que vicejam as tentativas de rever, e até mesmo anular, a Lei de Anistia. Instrumento jurídico que resultou de delicada costura política entre os generais e uma oposição fortalecida nas ruas e nas urnas, já nos estertores de um regime que, não obstante, ainda dispunha de considerável poder dissuasório, a anistia de 1979 tem um pressuposto inegociável — o perdão recíproco, tanto a agentes públicos envolvidos em atos reprováveis quanto a militantes de organizações da esquerda armada, num leque que também incluía opositores de todos os matizes ao regime militar. E válido somente para crimes cometidos até à data de promulgação da Lei.
O mais recente ensaio de revisão dos efeitos da lei deu-se semana passada, com a aprovação, na Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, de um projeto que propõe tornar nulo o perdão a militares, policiais e civis envolvidos em atos como tortura, morte e desaparecimento de guerrilheiros/terroristas. A julgar pelo fracasso anterior de proposições semelhantes, e pelos lastros políticos e jurídicos que amparam o grande pacto de remissão de 79, é pouco provável que esse seja bem sucedido.
Mas, mesmo como gesto simbólico, com poucas chances de produzir efeitos, iniciativas como essa vão contra um dos mais importantes legados da lei — a pacificação de um país que então procurava caminhos para a normalização democrática sem traumas, objetivo que se completou com a promulgação da Constituição, em 1988.
O Brasil que saiu de um longo período de anormalidade merece hoje que suas forças políticas mirem à frente, no caminho da consolidação do estado democrático.
Ademais, é preciso que seja respeitado tudo aquilo que baliza a Lei de Anistia. Ela resultou de um acordo do qual participou amplamente a oposição. Com todos os seus artigos, está lastreada por decisão soberana do Congresso e por pareceres do Supremo Tribunal Federal. São, todas essas, instâncias que lhe conferem legitimidade política e histórica.
15 de abril de 2014
Editorial O Globo
Editorial O Globo
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