Um dos episódios mais comentados da semana foi a invasão de uma sala de aula da Faculdade de Direito da USP, ocorrida no momento em que o professor de Direito Administrativo Eduardo Lobo Botelho Gualazzi lia para seus alunos um artigo em que expressa suas convicções políticas e ideológicas e defende a revolução/golpe/contragolpe (como queiram) de 1964. O vídeo está disponível no YouTube.
Não há dúvida de que o espetáculo promovido pelos estudantes é inaceitável: coisa de extremistas ideológicos. Ainda não dá para comparar com a violência dos guardas vermelhos durante a Revolução Cultural, na China, mas é só uma questão de tempo para esses fascistas de esquerda chegarem lá.
A invasão, todavia, não é o único aspecto que chama a atenção nesse episódio lamentável. Há também a conduta do professor. Não nos parece que ele tivesse o direito de usar uma aula da sua disciplina (que é obrigatória) para constranger os alunos a ouvi-lo dissertar sobre assuntos que nada têm a ver com Direito Administrativo.
Com efeito, a única forma de conciliar o caráter obrigatório de uma disciplina com a liberdade de consciência (ou liberdade de aprender) dos estudantes é limitar a liberdade de cátedra (ou liberdade de ensinar) do professor ao conteúdo específico dessa disciplina, que é a área, afinal, na qual se supõe que ele tenha algo a ensinar aos alunos.
Se o estudante não é livre para se levantar e sair da sala sem que esse ato possa lhe acarretar algum prejuízo, o professor não pode ser livre para ir além do conteúdo específico de sua disciplina para dizer, ex cathedra, o que bem entenda. Ainda que se possa tolerar, aqui e ali, algum comentário de cunho político ou ideológico, isso não pode ser a regra. Não se pode admitir que um professor se aproveite da autoridade que lhe é conferida pela cátedra e da audiência (literalmente) cativa dos alunos para promover suas próprias concepções políticas e ideológicas, sejam elas quais forem.
Portanto, se o professor desejava expor suas ideias sobre assuntos que não fazem parte da sua disciplina – política, economia, história etc. –, deveria ter dito aos estudantes: “No dia tal, a tal hora, no auditório tal, farei uma palestra sobre tais assuntos. Quem quiser, que apareça”.
O melhor antídoto contra a instrumentalização do ensino para fins políticos e ideológicos ainda é a conhecida, mas negligenciada, lição de Max Weber: “Tanto ao profeta quanto ao demagogo se deve dizer: ‘Vá às ruas e fale em público’, quer dizer, que ele fale em lugar onde possa ser criticado. Em uma sala de aula enfrenta-se o auditório de maneira totalmente diversa: a palavra é do professor, e os estudantes estão condenados ao silêncio. Impõem as circunstâncias que os alunos sejam obrigados a seguir os cursos de um professor, tendo em vista a futura carreira e que ninguém dos presentes a uma sala de aula possa criticar o mestre. É imperdoável a um professor valer-se dessa situação para buscar incutir em seus discípulos as suas próprias concepções políticas, em vez de lhes ser útil, como é seu dever, através da transmissão de conhecimento e de experiência científica”.
Em suma: erraram os invasores; errou o professor.
05 de abril de 2014
Miguel Nagib, Gazeta do Povo - PR
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