"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quinta-feira, 27 de março de 2014

VERSO/REVERSO! ESTÁ BOM OU RUIM?


 
 
 
E então: 
está bom ou está ruim? 
Ser rebaixado por uma agência de classificação de risco é certamente ruim. 
Mas o mundo não acabou. 
Nem a bolsa despencou, nem o dólar disparou. 
Logo, qual o problema de uma nota mais baixa?

O problema maior está justamente na formulação dessa pergunta. 
Assim como leva anos para se arrumar a economia de um país — e merecer o grau de investimento — também é preciso uma série longa de equívocos para estragar a coisa. Como isso acontece devagarzinho, a gente corre o risco de se acostumar com o errado. É o que está acontecendo por aqui.

A agência Standard & Poor’s (S&P) promoveu o Brasil a grau de investimento, retirando-o do grupo dos caloteiros, só em 2008, nada menos que 14 anos depois da introdução do Real e após uma série de reformas que levaram à estabilidade. O país estava então no segundo mandato de Lula, que celebrou ruidosamente a novidade. Disse que era um momento mágico e que o Brasil recebera o carimbo de país sério.

Era por aí: 
o prêmio pela manutenção de uma mesma política econômica ao longo de quatro mandatos presidenciais, comandados por partidos diferentes. Em 2011, já no governo Dilma, o Brasil teve uma outra promoção, passando para o nível dois de grau de investimento. Era uma recompensa pela boa sobrevivência à crise financeira global. Desta vez, o Brasil acompanhou os principais emergentes: 
todos reagiram bem.

Na última segunda-feira, portanto, o Brasil retrocedeu três anos. 
Voltou à nota de 2008, que ainda é grau de investimento, mas apenas no primeiro nível. Mais uma bobeada — ou um conjunto de bobeadas — e o país volta ao grupo dos caloteiros conhecidos.

Mas esse fato — ter a economia brasileira permanecido como investiment grade — foi o mais acentuado por muita gente. 
Por exemplo: 
a bolsa brasileira continuou no ritmo positivo — no day after do rebaixamento emplacou sete dias úteis de alta. E o dólar continuou acomodado na casa dos R$ 2 e trinta e poucos. Os juros subiram, mas só um pouco.

Mas olhem mais para trás. 
Nos últimos 12 meses, a bolsa brasileira sai do positivo e se mostra como tem sido: 12% de queda. Foi um dos piores desempenhos entre as principais bolsas internacionais.

Todas as medidas do risco Brasil vêm mostrando alta desde 2012. Hoje, esse risco — medido pela taxa de juros que o governo paga por empréstimos externos ou pelo seguro contra calote — é maior do que a média da América Latina e da Ásia emergente.

Isso reflete a deterioração da política econômica especialmente nos últimos três anos. Mas o que significa deterioração? Significa que os fundamentos — aqueles que levaram ao grau de investimento — não foram jogados no lixo, mas têm sido maltratados.

Por exemplo: 
ainda estamos sob o regime de metas de inflação com Banco Central independente. O BC segue os rituais desse sistema praticado por quase todos os países sérios, mas... não segue. Ficou evidente que o BC reduziu a taxa básica para 7,25%, lá atrás, para cumprir uma meta política da presidente Dilma. Tanto foi um movimento sem base técnica que hoje, com a volta da inflação, o BC colocou a taxa de juros no mesmo lugar em que estava quando a presidente Dilma assumiu, em 2011. Ou seja, esse movimento do BC só causou confusão e deixou a inflação perto e até acima do teto da meta.

É tudo assim, por um lado, por outro. 
A meta de inflação continua sendo de 4,5%, mas qualquer coisa abaixo dos 6,5% está bom para o governo.

O governo continua colocando no orçamento as metas de superávit primário, como manda a lei de responsabilidade fiscal, um dos pilares do grau de investimento. Mas, na execução, o governo manipula os números, inventa operações para esconder a alta da dívida, faz novas promessas — e acha que todo mundo vai acreditar.

Contou com isso por um bom tempo.
 Só agora a S&P resolveu reduzir a nota brasileira. As outras duas agências importantes ainda não se moveram.

Resumo da ópera: 
a gestão da política econômica é bastante ruim, em praticamente todas as áreas, do combate à inflação à gerência do setor elétrico e da Petrobras. Por isso o risco Brasil e a S&P derrubaram a nota brasileira. Mas, como as bases institucionais da estabilidade continuam aí, entende-se que os desvios podem ser corrigidos a tempo. Daí, a manutenção do grau de investimento.

Desse ponto de vista, o rebaixamento deve ser visto como um sinal de que, antes de mais nada, a política econômica precisa voltar aos fundamentos.

CARLOS ALBERTO SARDENBERG
O Globo
27 de março de 2014ver

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