"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sábado, 15 de março de 2014

FORÇA E PRUDÊNCIA NA MEDIDA

Quanto ainda teremos de esperar até que os EUA honrem suas obrigações com o Brasil no caso do algodão? 

Como dizia o poeta e pensador Píndaro, ainda na Grécia antiga, "quem quer vencer um obstáculo deve se armar da força do leão e da prudência da serpente". Na busca de soluções para o contencioso do algodão, que se arrasta há 12 anos, não houve esse equilíbrio. A prudência se sobrepôs à força do poder de retaliação do Brasil. 

Em 2012, o Brasil apresentou queixa à OMC (Organização Mundial do Comércio), contestando subsídios da ordem de US$ 12,5 bilhões, concedidos pelos EUA à produção e à exportação de algodão no período de 1999 a 2002. Após sete anos de litígios, nosso país ganhou direito de impor sanções econômicas para produtos e serviços norte-americanos, que somam US$ 829,3 milhões anuais, até a eliminação dos programas condenados. 

As punições que a OMC autorizou o Brasil a impor não ficariam restritas ao setor agropecuário. As altas sobretaxas de até 100% do Imposto de Importação e, em especial, a possibilidade de quebra de patentes para vários produtos e serviços originados dos Estados Unidos certamente trariam prejuízos à maior economia mundial. 

Mais do que uma vitória econômica, a decisão da OMC teve significado político. Vencemos uma longa guerra em busca de um comércio justo, sem distorções. O adversário é poderoso. Mas a livre iniciativa e a justa concorrência prevaleceram. 

O Brasil ganhou, mas não levou. Em 2010, após um ano de intensas negociações, optamos por um acordo com os Estados Unidos. As sanções foram substituídas por compromissos de ajustes na política agrícola norte-americana e pela criação de um fundo de compensação para apoiar os cotonicultores brasileiros, no valor de US$ 147,3 milhões anuais. 

Há seis meses, porém, os EUA não honram seu compromisso de repassar o montante mensal ao IBA (Instituto Brasileiro do Algodão). Criaram, assim, uma dívida de quase US$ 60 milhões.

 A frustração dos nossos produtores de algodão não parou aí. A solução definitiva para o impasse ocorreria com a aprovação da nova Lei Agrícola, que deveria ser livre de medidas distorcivas ao comércio internacional. Entretanto, a legislação aprovada em fevereiro deste ano ficou aquém de qualquer expectativa de solução. 

Como se vê, são eles os devedores; não os brasileiros. 

Desde a Guerra de Secessão, que acabou prejudicando em especial os produtores de algodão daquele país, o sentimento de reparação do Norte para com o Sul parece ter enraizado nos Estados Unidos um forte protecionismo a seus cotonicultores, que perdura há séculos. Se uma dívida história existe, cobrem do Norte, não do Sul. 

A sanção da OMC foi aos Estados Unidos, mas é o Brasil que continua a ser punido. Pusemos de lado a força do leão e a prudência da serpente. No momento em que o Brasil tinha tudo para avançar, deixamo-nos acuar. 

O acordo foi restrito demais para os cotonicultores brasileiros. Limitou a aplicação dos recursos somente à assistência técnica e à capa- citação do setor. Não pudemos investir os valores repassados por Washington em promoção comercial e pesquisa e desenvolvimento, áreas estratégicas que garantiram a competitividade do algodão norte-americano. 

E não só os brasileiros têm amargado perdas. Os subsídios ao algodão também prejudicam --e muito-- algumas das economias mais pobres do mundo, como as dos países centro-africanos. É a raposa cuidando do galinheiro. E ainda matando a galinha dos ovos de ouro dos outros. 

O acordo, que já era bom demais para os EUA, foi descumprido por eles próprios. Nossa paciência estratégica de esperar pela aprovação da nova Lei Agrícola norte-americana não nos garantiu os ganhos esperados. E mais. Perdemos duas vezes: A primeira, quando não optamos pela retaliação. Desde 2010, sentamos e confiamos que os americanos adequariam suas políticas às regras de comércio internacional. 

Agora, uma segunda decepção. A nova Lei Agrícola não é clara o suficiente para solucionar em definitivo o conflito. Diante disso, o governo brasileiro optou por instituir outro painel de implementação na OMC. Quantos anos mais teremos de esperar que os EUA honrem suas obrigações com o Brasil? 

A prudência da diplomacia acabou. Não podemos mais perdoar. É hora de prevalecer a força do leão.
 
15 de março de 2014
Kátia Abreu, Folha de SP

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