"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sábado, 15 de março de 2014

FICÇÃO NA ENERGIA

O malabarismo fiscal reapareceu no meio do pacote de energia. O mais grosseiro dos truques é a ideia de usar a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) para se endividar e emprestar às distribuidoras. Houve uma longa reunião na entidade. Nem todos concordam com a operação. Na assembleia, será fácil aprovar porque 46% dos votos são das geradoras estatais e distribuidoras.

Há prazos e rituais para serem aprovados “orçamentos para cobertura de despesas extraordinárias”. E o procedimento tem que começar já porque até o dia 9 de abril as distribuidoras precisam de socorro financeiro. Uma das dúvidas na reunião da Câmara é a mesma que todos têm: como uma instituição que não tem ativos pode tomar um empréstimo de R$ 8 bilhões? A garantia será uma anuência da Aneel no contrato, dando permissão de uso de parte da receita tarifária das distribuidoras para pagar esse empréstimo. A agência reguladora vai “anuir” que um percentual da receita futura, como o aumento das tarifas das distribuidoras, será usado para pagar à Câmara.

Achou confuso? Não há nada de errado com você ou sua capacidade de compreensão. É confuso mesmo porque o Tesouro está fazendo mais um dos seus truques. Se for a CCEE o tomador desse empréstimo não aumentará o gasto público ou o endividamento público. É para esconder das agências de risco. Mas é fácil ver a camuflagem no gasto que o governo está costurando nessa heterodoxa operação.

Tudo isso é para manter o preço artificial da energia à custa de subsídios com o objetivo de enganar o eleitor. O governo gastou R$ 9 bilhões no ano passado para cobrir os rombos das distribuidoras com a queda da energia. Eles iriam pagar este ano e repassar para as tarifas, mas deixou-se para 2015. No Orçamento de 2014, há outros R$ 9 bilhões. Com o pacote de R$12 bilhões de quinta-feira, serão, ao todo, R$ 30 bilhões para manter a ficção de que em tempos de escassez existe energia barata. As distribuidoras agora vivem de empréstimo do governo e não sabem quando pagar e como vão se ressarcir.

O mais perigoso é não encarar os riscos de racionamento de energia que o Brasil está vivendo neste momento. Segundo especialistas e técnicos do setor, caminha-se para o racionamento. Ele pode ser evitado este ano, mas a ameaça continuará em 2015. O país pode ter um início de mandato em que a pessoa eleita, seja ou não a atual presidente, terá que lidar com duas bombas: o enorme peso da correção das tarifas e riscos de suprimento no setor elétrico.

O clima é parte do problema, mas não todo. A desastrosa gestão do setor fez o resto. Ao não admitir que estamos em risco, o governo não faz campanha nem programas de uso mais eficiente, racional e cuidadoso da energia. Isso elevou o consumo, exigiu mais térmicas, subiu o custo, e diminuiu a água dos reservatórios.

Nesse contexto, é difícil comemorar o número que saiu ontem, do IBC-BR, o índice do Banco Central que tenta antecipar o número do PIB. Ele registrou que a economia cresceu 1,26% em janeiro. A semana trouxe outros números bons: o crescimento de 2,9% da produção industrial de janeiro, e as vendas de varejo, também do mesmo mês, em 0,4% e registrando uma alta de 6% em relação a janeiro do ano passado. Mostram que a economia conseguiu recuperar um pouco da queda da indústria no final de 2013, manteve o consumo porque a renda permanece crescendo, ainda que em ritmo menor. Mesmo assim, os economistas alertam que esses índices não são o início de uma nova tendência.

No meio do caminho da economia há muita incerteza que impede o país de manter o crescimento. A maior das pedras neste momento é a incerteza sobre o preço futuro da energia.

 
15 de março de 2014
Miriam Leitão, O Globo

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