SÃO PAULO - Kim Jong-un, o ditador da Coreia do Norte, acaba de ser eleito deputado pela 111ª circunscrição com 100% dos votos e sem nenhuma abstenção, embora o sufrágio seja facultativo no país. O curioso é que é possível que os números propriamente ditos não tenham sido falsificados. É que pelo sistema local, há apenas um candidato por circunscrição, e o eleitor se limita a dar seu "sim" ou "não" ao nome proposto. O pulo do gato é que, para votar "não", o cidadão precisa dirigir-se a uma cabine separada.
Por que tiranos se dão ao trabalho de encenar farsas eleitorais? Kim Jong-un está longe de ser um caso isolado. Os há pouco depostos presidentes Zine el Abidine Ben Ali (Tunísia) e Hosni Mubarak (Egito) costumavam ser "eleitos" por margens superiores aos 94%. Na Síria, Bashar al-Assad ungiu-se em 2007 para mais sete anos de mandato com o apoio de 97,2% de seus compatriotas; hoje enfrenta uma guerra civil. Saddam Hussein também era um sujeito querido. Em 95 ele fora aprovado por 99,96% dos iraquianos e, em 2002, conseguiu a notável marca dos 100%.
É improvável que estes e tantos outros ditadores achem que vão enganar governos estrangeiros e a própria população divulgando números tão absurdos. Não obstante, insistem neles. Por quê? Penso que há aí dois sistemas psicológicos em operação.
De um lado, ao promover a farsa, os tiranos prestam tributo à democracia, admitindo que é a vontade popular que confere legitimidade a um governo. De outro, como ditadores não podem nem por hipótese demonstrar fraqueza, não resistem a apelar aos números superlativos. Mas como lidar com a contradição resultante? Isso não é um grande problema. Se há algo que nós, seres humanos, conseguimos fazer bem, é ir reprocessando mentalmente ideias incompatíveis até que elas deixem de causar dissonância cognitiva, isto é, que deixemos de senti-las como uma ameaça à lógica.
Por que tiranos se dão ao trabalho de encenar farsas eleitorais? Kim Jong-un está longe de ser um caso isolado. Os há pouco depostos presidentes Zine el Abidine Ben Ali (Tunísia) e Hosni Mubarak (Egito) costumavam ser "eleitos" por margens superiores aos 94%. Na Síria, Bashar al-Assad ungiu-se em 2007 para mais sete anos de mandato com o apoio de 97,2% de seus compatriotas; hoje enfrenta uma guerra civil. Saddam Hussein também era um sujeito querido. Em 95 ele fora aprovado por 99,96% dos iraquianos e, em 2002, conseguiu a notável marca dos 100%.
É improvável que estes e tantos outros ditadores achem que vão enganar governos estrangeiros e a própria população divulgando números tão absurdos. Não obstante, insistem neles. Por quê? Penso que há aí dois sistemas psicológicos em operação.
De um lado, ao promover a farsa, os tiranos prestam tributo à democracia, admitindo que é a vontade popular que confere legitimidade a um governo. De outro, como ditadores não podem nem por hipótese demonstrar fraqueza, não resistem a apelar aos números superlativos. Mas como lidar com a contradição resultante? Isso não é um grande problema. Se há algo que nós, seres humanos, conseguimos fazer bem, é ir reprocessando mentalmente ideias incompatíveis até que elas deixem de causar dissonância cognitiva, isto é, que deixemos de senti-las como uma ameaça à lógica.
15 de março de 2014
HÉLIO SCHWARTSMAN, Folha de SP
Nenhum comentário:
Postar um comentário