Verdadeira ou falsa, a imagem do Brasil como um dos emergentes mais vulneráveis à turbulência econômica internacional foi autenticada pelo banco central mais poderoso do mundo, o Federal Reserve (Fed), dos Estados Unidos. A vulnerabilidade brasileira, classificada como só inferior à da Turquia, foi exposta sem atenuantes no relatório semestral de política monetária entregue na terça-feira ao Congresso americano.
A entrega coincidiu com o primeiro depoimento da nova presidente do Fed, Janet Yellen, perante a Comissão de Serviços Financeiros da Câmara dos Representantes. Na parte sobre a política do Fed, o discurso e o relatório funcionaram como calmantes para os mercados. O Fed continuará apoiando a recuperação econômica e a elevação do emprego e os estímulos serão retirados, como até agora, gradualmente e com base nos indicadores de atividade, prometeu Yellen.
No essencial, foi uma repetição das falas do antecessor, Ben Bernanke. Em todo o mundo a reação a esse anúncio foi muito boa - muito melhor que a reação de Brasília aos comentários sobre a situação brasileira.
O comitê responsável pela moeda e pelo crédito, assegurou a nova chefe do Fed, permanecerá empenhado em cumprir o duplo mandato da instituição - cuidar da inflação, por enquanto muito baixa, e buscar ao mesmo tempo o maior nível de emprego compatível com a estabilidade geral dos preços.
Os juros, nesse quadro, devem permanecer próximos de zero ainda por longo tempo, depois de abandonada a injeção mensal de dinheiro nos mercados. A primeira redução, no começo do ano, foi de US$ 85 bilhões para US$ 75 bilhões. A segunda, anunciada há poucos dias, diminuirá o volume para US$ 65 bilhões. As seguintes dependerão de novos dados sobre a economia.
O relatório semestral do Fed contém análises do quadro americano e do cenário global e uma prestação de contas da política adotada e de seus efeitos. Desde quando Bernanke anunciou, no ano passado, o plano de redução dos estímulos, investidores e especuladores em todo o mundo tentaram ajustar-se às mudanças previstas. A expectativa de uma oferta menos ampla de dólares mexeu com os fluxos de capitais em todo o mundo e valorizou a moeda americana.
Alguns países foram especialmente atingidos e a desvalorização de suas moedas foi mais acentuada. No balanço apresentado no relatório do Fed, o Brasil foi um dos mais severamente afetados nas duas fases da turbulência - logo depois de anunciado o plano de mudança, no ano passado, e no início de 2014, quando começou de fato a redução dos estímulos.
A avaliação apresentada no documento foi baseada em um índice composto de seis variáveis. O saldo em conta corrente, a dívida pública, a evolução do crédito ao setor privado nos últimos cinco anos e o volume de reservas são apresentados como porcentagens do Produto Interno Bruto (PIB). A dívida externa é comparada com as exportações. Além disso, considera-se a inflação nos últimos três anos. A análise mostra uma relação entre as maiores desvalorizações e os piores índices de vulnerabilidade calculados a partir daqueles elementos.
Não se trata de uma avaliação baseada em vagas impressões ou em critérios estritamente subjetivos. A fragilidade do Brasil é perceptível sem muito esforço em vários desses indicadores, como a rápida expansão do crédito, o aumento da dívida pública bruta e a inflação acima dos padrões internacionais.
Os autores do estudo citaram medidas tomadas em vários países a partir do ano passado, como a elevação dos juros e a adoção de reformas. Isso enfraquece os argumentos da direção do Banco Central do Brasil em reclamação dirigida ao pessoal do Fed.
Mesmo com alguma possível injustiça, a avaliação contida no relatório pode produzir efeitos e, além disso, coincide com a opinião de operadores do mercado e de especialistas em análise de risco de crédito. Por seus muitos desacertos e por seu voluntarismo, o governo brasileiro comprometeu sua credibilidade e expôs o País ao risco de julgamentos como o dos técnicos do Fed. Não adianta reclamar. A imagem só será melhorada com medidas sérias e com a reconquista da credibilidade.
13 de fevereiro de 2014
Editorial O Estado de S.Paulo
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