"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

PANCADA DE AMOR NÃO DÓI (II)

Olavo de Carvalho

Rodrigo Constantino, que ignora tudo da história da Igreja, bem como da história da Filosofia, e tenta compensar seu vácuo de conhecimentos ciscando às pressas informações numa fonte tão incerta quanto a Wikipedia, não tem nenhum direito à minha atenção ou à atenção de qualquer leitor sério ao opinar sobre essas matérias. Não o reconheço como interlocutor, não o considero qualificado nem mesmo para ser meu aluno, de vez que lhe faltam o senso da sua própria ignorância e o simples pressentimento de que os assuntos em que opina têm atrás de si uma tradição milenar de estudos, sem o acesso à qual é impossível até mesmo a informação perfunctória sobre o “satus quaestionis”. Não acredito que ele seja totalmente desonesto, apenas monstruosamente inculto e presunçoso. O único direito que lhe reconheço nesta questão é o de calar a boca antes de se expor a uma humilhação completa que talvez ele não seja capaz de aproveitar como lição útil.

(...)

Quando Rodrigo Constantino menciona entre as "críticas embasadas" que encontrou do livro de Voltaire a afirmativa de que "os judeus são um povo de ladrões" ou de que o objetivo de todos os grandes santos, místicos e profetas fundadores de religiões é "dominar e enriquecer quanto puderem", ele chafurda na mais baixa irracionalidade no instante mesmo em que imagina personificar a razão e a ciência.

A miséria da sua falta de consciência de si é tão deplorável, tão patética, que eu preferiria nada dizer a respeito, só consentindo em dizer alguma coisa porque sei que essa miséria é contagiosa e temo pelo futuro de seus leitores.

(...)

Humilhado e enraivecido, ele agora apela ao expediente supremamente calhorda de fingir que não argumentei contra suas asneiras presunçosas, mas contra “a ciência”. Em matéria de disfarce, o sr. Constantino não é um lobo em pele de cordeiro. É um mico em pele de jumento.

(...)

O raciocínio de Rodrigo Constantino, em suma, é infernalmente circular, fechado e imune a qualquer possibilidade de discussão racional, sendo por isso mesmo tanto mais levianamente proclamado a epítome da racionalidade científica, já que não tem nenhuma satisfação a prestar ao esclarecimento crítico dos conceitos e termos que emprega nem muito menos ao exame dos critérios estereotipados de veracidade em que confia cegamente.

Justamente por ser um obscurantismo total, a cosmovisão constantínica pode imbuir-se daquela integral confiança em si mesma que lhe permite continuar esperneando e cantando vitória mesmo quando, no curso do debate, todos os espectadores em volta já perceberam o ridículo pueril das suas pretensões e sua recusa obstinada ao confronto sistemático de argumentos.

Não tenho a menor dúvida de que a forma mentis desse menino, descontada qualquer patologia pessoal, é o produto acabado dessa fábrica de monstrinhos que é a seita de Ayn Rand, uma das mais mesquinhas, fanáticas, estúpidas e cegas que o mundo já conheceu, e que infelizmente continua sendo bem tolerada nos meios liberais pelo simples fato de que aprova a economia de mercado, como se idéias sensatas não pudessem ser defendidas também por motivos absurdos e extravagantes. Como lembrava Spinoza, um louco que em pleno dia sai gritando “É dia!” não se torna só por isso um homem sensato.

(...)

O evidente despreparo do atacante contrastava de maneira tão patética com a sua afetação de onipotência, que a provocação – ou intimação – para um debate, vindo de tal pessoa, me pareceu, mais que um acinte, um blefe descarado num jogo sem propósito.

Totalmente sem propósito. O debate com o ignorante é um dos exercícios mais árduos e estéreis da arte dialética. A cada passo, junto com os argumentos, você tem de fornecer ao desafiante os conhecimentos que lhe faltam para o debate, e ele, de maneira quase infalível, tomará essas informações como novos argumentos, colocando-os em discussão junto com os primeiros, e assim por diante infindavelmente. Sem um núcleo de conhecimentos admitidos em comum, nenhum debate frutífero é possível. Quando os disponíveis a uma das partes são mínimos, a outra pode, por amabilidade, concordar em esquecer o que sabe e raciocinar só com base nas informações de que o interlocutor dispõe. Mas se este desconhece ou não compreende o seu próprio material, se seu domínio do assunto está abaixo do mínimo requerido até para sustentar suas próprias opiniões, se a cada passo ele se equivoca no manejo dos seus próprios termos e não dá sinal de captar as implicações mais óbvias e imediatas do que ele mesmo diz, então a situação é francamente desesperadora, e o melhor que você pode fazer é mandar o cidadão passear.

Foi o que sucedeu neste caso. Informei ao distinto que ele era apenas um merdinha intrometido, achando que, impressionado com a minha falta de polidez, ele iria embora batendo pezinho e não me incomodaria mais.


31 de janeiro de 2014
janer cristaldo

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