Quando as condições de vida melhoram, a gente tem tendência a esquecer rápido dos tempos em que batalhava para sobreviver. Uns mais, outros menos, todos nós temos esse pendor.
No tempo das vacas magras, países europeus passaram apertado. Na esteira de demografia galopante, de colheitas perdidas, de conflitos intermináveis, nem sempre tinham com que alimentar seus filhos.
Foi quando as Américas receberam ― de bom grado ― imigrantes dos quatro cantos da Europa, na maioria gente desvalida, de pouco ou nenhum estudo, de escassa formação profissional.
O tempo passou e o cenário se inverteu. Os países ibéricos, desde que descartaram seus respectivos ditadores, puderam aderir à União Europeia.
Na garupa dessa junção, foram agraciados com investimentos, empréstimos sem obrigação de reembolso, dinheiro a rodo.
De repente, se sentiram ricos e logo esqueceram os tempos de penúria quando tinham de exportar povo.
O novo status atraiu estrangeiros em busca de vida melhor. Surpreendentemente, esses novos imigrantes foram mal recebidos. A riqueza caída do céu havia transformado os povos recém-enriquecidos em novos-ricos de escassas qualidades e pesados defeitos.
Conterrâneos nossos ― às vezes intelectuais que vinham para um curso ou uma conferência ― foram barrados como clandestinos, escorraçados e despachados de volta ao Brasil. Uma vileza.
A sabedoria popular diz que tudo o que sobe tem de descer um dia. A crise financeira fez que a bolha ibérica, sustentada principalmente pelo imobiliário, estourasse. O que era vidro se quebrou.
O milagre se dissolveu e os novos-ricos voltaram a empobrecer. Hoje são eles que batem à nossa porta. E serão bem recebidos, que brasileiro não é gente rancorosa.
A família de um dos condenados no processo do mensalão apelou para a caridade pública para ajudá-los a pagar a multa aplicada ao patriarca pelo STF. Organizaram uma vaquinha.
Ninguém jamais saberá se houve doadores ou não. A esse respeito, guardo reserva ― fico com um pé atrás, como diz o outro.
Tenho dificuldade em imaginar alguém enfiando a mão no bolso e tirando uma esmola para «ajudar» um figurão da política nacional.
Seja como for, vale o que já diziam os antigos: nada como sentir na carne a dor alheia.
Enquanto viajava por cima da carne-seca, durante os 20 anos em que foi deputado federal, o mandachuva, que se saiba, não apresentou projeto de lei visando a mitigar o dia a dia dos encarcerados.
Agora, que passou por lá, tomou consciência do problema e decidiu que o excedente recolhido na vaquinha será destinado a reformar estabelecimentos penitenciários.
Por feliz coincidência, o valor arrecadado ultrapassa ― de bem pouquinho ― o montante exigido pela Justiça. Num gesto magnânimo, o condenado abriu mão desses trocados. Todos os jornais noticiaram. Palmas para ele.
Como se diz na França, «à quelque chose, malheur est bon». Não me ocorre um equivalente em nossa língua. Vale dizer que, pelo menos, as vicissitudes do medalhão terão servido para alguma coisa.
21 de janeiro de 2014
Jose Horta Manzano
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