Leio na Folha de São Paulo de hoje:
ASSOCIAÇÃO DE LOJISTAS RELATA PREJUÍZOS E MEDO DE CONSUMIDORES COM EVENTOS
Alshop quer que o governo se reúna com líderes e negocie o fim dos eventos, que já ocorrem em todo o país.
Como os eventos deixaram as fronteiras de São Paulo, a associação teme o aumento dos prejuízos. Os centros de compras têm optado por fechar as portas para impedir a realização dos "rolezinhos".
Na avaliação da associação, os eventos também levam insegurança e perturbam os consumidores.
Os jovens que promovem os eventos pelas redes sociais dizem que só querem se divertir, dançar, namorar e passear dentro das instalações.
"Vamos entrar em contato com a Presidência [da República] para tentar uma reunião. A Dilma [Rousseff], que chamou as lideranças das manifestações do ano passado, tem de chamar as lideranças desses eventos também", diz Nabil Sahyoun, presidente da Alshop.
Após ação policial em um "rolezinho" no shopping Metrô Itaquera, no começo do mês, com bombas de gás e balas de borracha, movimentos sociais como o dos sem-teto passaram a apoiar e a promoverem também eventos dentro de centros de compra.
Em apenas uma reportagem, o jornal repete sete vezes a palavra eventos. A rigor, está correta. Evento é algo que acontece, tanto um comício como um jogo de futebol. A própria Folha organiza eventos em seu teatro no shopping Higienópolis. Mas o que está acontecendo, antes de ser evento, é baderna, invasão de um espaço público.
Não sei se o leitor notou, mas quando a polícia sobe o morro em busca de drogas ou traficantes, os jornais não dizem em suas manchetes que a polícia busca drogas ou traficantes. Mas que a polícia invadiu a favela. Como invadiu? Favela – perdão, comunidade – é por acaso território estrangeiro, área diplomática, onde a polícia nacional não pode entrar? A polícia está exercendo seu dever de combater o crime, nada mais que isso. No entanto, pelo jornais, a polícia invade.
Diga-se o mesmo das invasões do MST. Não são invasões. São ocupações. Invasão é palavra feia, até parece crime. Ocupação soa melhor. Soa até como um direito.
A própria palavra rolezinho é safada. O diminutivo dáá a aparência de algo banal, inocente, quase simpático. Ninguém promove uma baderna, principalmente os baderneiros. Dar um role foi expressão que significava dar um giro, um passeio. De rolê a rolezinho foi um passo.
Mas parece que a palavrinha que já se desgastou. Melhor eventos. E quem são os responsáveis pelos “eventos”? Os “jovens”, é claro. Você não vai chamar um jovem de invasor ou baderneiro. Jovem não faz isso. Invasão e baderna são palavras mais adequadas a adultos. Nem nisto a imprensa nossa é original. Na França, não são os árabes que queimam carros. Mas “les jeunes”.
O ataque a shoppings era previsível. É o local ideal para destilar o ressentimento das periferias. Criou-se a imagem de templos de consumo, como se consumo fosse pecado ou crime, ainda mais em um governo que facilita o crédito para que até mesmo os “excluídos” – outro eufemismo dos bons - tenham carro próprio.
De cambulhada, ressuscitou uma palavrinha já soterrada, pela história. "Alerta, alerta, alerta à burguesia. Ou deixa o rolezinho ou vai ter ato todo dia". "Ei, burguês, a culpa é de vocês". Nos estertores do século passado, os petistas ainda cantavam:
Ai, quem diria? Ai, quem diria?
O proletário derrotando a burguesia.
A burguesia fede
fede
fede
Mais um pouco e chegamos no século passado.
Tampouco a idéia de hostilizar shoppings é nova. Talvez ninguém mais lembre, mas nasceu em São Paulo. O “evento” ocorreu em 2011, quando os “jovens” promoveram uma churrascada frente ao shopping Higienópolis. Higienópolis – ou Idischienópolis, como preferem certas línguas – é um dos bons bairros para se viver em São Paulo. Há quem diga que é o melhor. Não é exatamente meu bairro ideal. Arquitetura vertical me desagrada, achata muito o ser humano. Prefiro aquelas cidades baixas, tipo Paris, Madri ou Lisboa. Mas não me queixo do pedaço. Tem cerca de 35 mil habitantes, é relativamente calmo e oferece pelo menos uma meia centena de restaurantes abordáveis.
A quinze minutos a pé de onde moro, há uma praça agradável, a Vilaboim, onde geralmente costumo almoçar. Em apenas uma quadra, tem uns dez ou mais restaurantes com cozinha para todos os paladares: francesa, japonesa, alemã, italiana, árabe, mexicana, brasileira e tem também uma coisa ianque que serve sanduíches tão ao gosto de quem gosta de comer mal. É o que em Paris se chamaria de village, uma espécie de ilha nesta cidade desvairada.
Surgiu naqueles dias uma polêmica que assumiu dimensões nacionais. Pretende-se – ou se pretendia – criar uma estação de metrô na avenida Angélica, principal artéria do bairro. Um grupo de higienopolitanos fez um manifesto contra a estação. O governo recuou e a transferiu para mais adiante. Por que não se quer uma estação de metrô no bairro? Porque bocas de metrô atraem camelôs, mendigos e mesmo assaltantes.
Há dois metrôs a uns 500 metros de distância de onde moro. Um deles, o Santa Cecília, até poucos anos atrás, era um pátio de milagres, com dezenas de mendigos atirados na calçada, fedendo a urina e fezes. Impediam até mesmo a limpeza da praça. Quando chegavam os carros da Prefeitura, defensores dos tais de direitos humanos é o que não faltava para se jogar na frente das mangueiras de água e impedir a limpeza.
Na ocasião, cheguei a protestar junto a Prefeitura. O alcaide era o Maluf. Recebi minha carta de volta, com mais de uma dezena de pareceres e carimbos de diversas repartições e a conclusão final: que qualquer solução era inviável. A Prefeitura acabou encontrando um remendo, entregou o espaço aos camelôs. Que fizeram o que a polícia não conseguiu: expulsaram os molambentos do pedaço. Mas tomaram conta da praça. Quanto ao cidadão que paga honestamente IPTU, este foi expulso do largo.
Alguns palhaços planejaram um churrasco de protesto em frente ao shopping Higienópolis, que depois teria sido transferido para a praça Vilaboim. (Sempre em lugares agradáveis, onde quem trabalha e ganha honestamente seu sustento vai espairecer). A baderna ocorreu finalmente frente ao shopping, interditando a avenida Higienópolis. A alegação era que os residentes do bairro não queriam pessoas pobres por perto. No fundo, petistas que queriam desgastar o governo estadual.
Eram as viúvas do Kremlin que queriam ressuscitar em meu bairro a finada luta de classes. Prova disto foi a declaração do cacique do partido. Disse Lula na ocasião: “Eu acho um absurdo, porque isso demonstra um preconceito enorme contra o povo que anda de transporte coletivo neste País”. O petista acusou os moradores que protestaram contra o metrô de tentar impedir a circulação de pobres no bairro de alto padrão. “Sinceramente, não posso conceber que uma pessoa que estudou e tem posses seja tão preconceituosa e queira evitar que as pessoas mais humildes possam transitar no bairro onde mora”.
Como se algum dia, algum pobre, negro ou mendigo fossem proibidos de circular no bairro. O PT é exímio em criar argumentos inexistentes para melhor atacá-los.
Não vai demorar muito para que os “jovens” promovam um “evento” no shopping Higienópolis. Aliás, me espanta que ainda não o tenham feito. Nem só a imprensa, mas também as também as autoridades têm sido lenientes. Não se pode pode proibir reuniões ou a livre expressão dos “jovens”.
Mas baderna, invasão, pode sim senhor. Por isso os jornais estão procurando – com a Folha à frente – dar novos nomes a coisas antigas. Ainda há pouco, eu parafraseava o Discurso da Desigualdade, de Rousseau:
O primeiro homem que deitou na calçada e disse ser isto um direito seu e encontrou pessoas que acreditaram nele foi o fundador da desordem urbana. Daí vieram muitos assaltos e roubos, insegurança social e lixo humano, que poderiam ter sido evitados se alguém tivesse arrancado fora os colchões e papéis que lhes servem de cama e alertado para que ninguém aceitasse este impostor. Não podemos esquecer que as ruas pertencem a todos nós e a cidade também.
A batalha foi perdida no primeiro dia em que as autoridades deixaram um único homem morar na rua, como se rua residência fosse. Os “eventos” vão se espalhar pelos grandes centros e com eles o cidadão urbano terá de conviver.
21 de janeiro de 2014
janer cristaldo
ASSOCIAÇÃO DE LOJISTAS RELATA PREJUÍZOS E MEDO DE CONSUMIDORES COM EVENTOS
Alshop quer que o governo se reúna com líderes e negocie o fim dos eventos, que já ocorrem em todo o país.
Como os eventos deixaram as fronteiras de São Paulo, a associação teme o aumento dos prejuízos. Os centros de compras têm optado por fechar as portas para impedir a realização dos "rolezinhos".
Na avaliação da associação, os eventos também levam insegurança e perturbam os consumidores.
Os jovens que promovem os eventos pelas redes sociais dizem que só querem se divertir, dançar, namorar e passear dentro das instalações.
"Vamos entrar em contato com a Presidência [da República] para tentar uma reunião. A Dilma [Rousseff], que chamou as lideranças das manifestações do ano passado, tem de chamar as lideranças desses eventos também", diz Nabil Sahyoun, presidente da Alshop.
Após ação policial em um "rolezinho" no shopping Metrô Itaquera, no começo do mês, com bombas de gás e balas de borracha, movimentos sociais como o dos sem-teto passaram a apoiar e a promoverem também eventos dentro de centros de compra.
Em apenas uma reportagem, o jornal repete sete vezes a palavra eventos. A rigor, está correta. Evento é algo que acontece, tanto um comício como um jogo de futebol. A própria Folha organiza eventos em seu teatro no shopping Higienópolis. Mas o que está acontecendo, antes de ser evento, é baderna, invasão de um espaço público.
Não sei se o leitor notou, mas quando a polícia sobe o morro em busca de drogas ou traficantes, os jornais não dizem em suas manchetes que a polícia busca drogas ou traficantes. Mas que a polícia invadiu a favela. Como invadiu? Favela – perdão, comunidade – é por acaso território estrangeiro, área diplomática, onde a polícia nacional não pode entrar? A polícia está exercendo seu dever de combater o crime, nada mais que isso. No entanto, pelo jornais, a polícia invade.
Diga-se o mesmo das invasões do MST. Não são invasões. São ocupações. Invasão é palavra feia, até parece crime. Ocupação soa melhor. Soa até como um direito.
A própria palavra rolezinho é safada. O diminutivo dáá a aparência de algo banal, inocente, quase simpático. Ninguém promove uma baderna, principalmente os baderneiros. Dar um role foi expressão que significava dar um giro, um passeio. De rolê a rolezinho foi um passo.
Mas parece que a palavrinha que já se desgastou. Melhor eventos. E quem são os responsáveis pelos “eventos”? Os “jovens”, é claro. Você não vai chamar um jovem de invasor ou baderneiro. Jovem não faz isso. Invasão e baderna são palavras mais adequadas a adultos. Nem nisto a imprensa nossa é original. Na França, não são os árabes que queimam carros. Mas “les jeunes”.
O ataque a shoppings era previsível. É o local ideal para destilar o ressentimento das periferias. Criou-se a imagem de templos de consumo, como se consumo fosse pecado ou crime, ainda mais em um governo que facilita o crédito para que até mesmo os “excluídos” – outro eufemismo dos bons - tenham carro próprio.
De cambulhada, ressuscitou uma palavrinha já soterrada, pela história. "Alerta, alerta, alerta à burguesia. Ou deixa o rolezinho ou vai ter ato todo dia". "Ei, burguês, a culpa é de vocês". Nos estertores do século passado, os petistas ainda cantavam:
Ai, quem diria? Ai, quem diria?
O proletário derrotando a burguesia.
A burguesia fede
fede
fede
Mais um pouco e chegamos no século passado.
Tampouco a idéia de hostilizar shoppings é nova. Talvez ninguém mais lembre, mas nasceu em São Paulo. O “evento” ocorreu em 2011, quando os “jovens” promoveram uma churrascada frente ao shopping Higienópolis. Higienópolis – ou Idischienópolis, como preferem certas línguas – é um dos bons bairros para se viver em São Paulo. Há quem diga que é o melhor. Não é exatamente meu bairro ideal. Arquitetura vertical me desagrada, achata muito o ser humano. Prefiro aquelas cidades baixas, tipo Paris, Madri ou Lisboa. Mas não me queixo do pedaço. Tem cerca de 35 mil habitantes, é relativamente calmo e oferece pelo menos uma meia centena de restaurantes abordáveis.
A quinze minutos a pé de onde moro, há uma praça agradável, a Vilaboim, onde geralmente costumo almoçar. Em apenas uma quadra, tem uns dez ou mais restaurantes com cozinha para todos os paladares: francesa, japonesa, alemã, italiana, árabe, mexicana, brasileira e tem também uma coisa ianque que serve sanduíches tão ao gosto de quem gosta de comer mal. É o que em Paris se chamaria de village, uma espécie de ilha nesta cidade desvairada.
Surgiu naqueles dias uma polêmica que assumiu dimensões nacionais. Pretende-se – ou se pretendia – criar uma estação de metrô na avenida Angélica, principal artéria do bairro. Um grupo de higienopolitanos fez um manifesto contra a estação. O governo recuou e a transferiu para mais adiante. Por que não se quer uma estação de metrô no bairro? Porque bocas de metrô atraem camelôs, mendigos e mesmo assaltantes.
Há dois metrôs a uns 500 metros de distância de onde moro. Um deles, o Santa Cecília, até poucos anos atrás, era um pátio de milagres, com dezenas de mendigos atirados na calçada, fedendo a urina e fezes. Impediam até mesmo a limpeza da praça. Quando chegavam os carros da Prefeitura, defensores dos tais de direitos humanos é o que não faltava para se jogar na frente das mangueiras de água e impedir a limpeza.
Na ocasião, cheguei a protestar junto a Prefeitura. O alcaide era o Maluf. Recebi minha carta de volta, com mais de uma dezena de pareceres e carimbos de diversas repartições e a conclusão final: que qualquer solução era inviável. A Prefeitura acabou encontrando um remendo, entregou o espaço aos camelôs. Que fizeram o que a polícia não conseguiu: expulsaram os molambentos do pedaço. Mas tomaram conta da praça. Quanto ao cidadão que paga honestamente IPTU, este foi expulso do largo.
Alguns palhaços planejaram um churrasco de protesto em frente ao shopping Higienópolis, que depois teria sido transferido para a praça Vilaboim. (Sempre em lugares agradáveis, onde quem trabalha e ganha honestamente seu sustento vai espairecer). A baderna ocorreu finalmente frente ao shopping, interditando a avenida Higienópolis. A alegação era que os residentes do bairro não queriam pessoas pobres por perto. No fundo, petistas que queriam desgastar o governo estadual.
Eram as viúvas do Kremlin que queriam ressuscitar em meu bairro a finada luta de classes. Prova disto foi a declaração do cacique do partido. Disse Lula na ocasião: “Eu acho um absurdo, porque isso demonstra um preconceito enorme contra o povo que anda de transporte coletivo neste País”. O petista acusou os moradores que protestaram contra o metrô de tentar impedir a circulação de pobres no bairro de alto padrão. “Sinceramente, não posso conceber que uma pessoa que estudou e tem posses seja tão preconceituosa e queira evitar que as pessoas mais humildes possam transitar no bairro onde mora”.
Como se algum dia, algum pobre, negro ou mendigo fossem proibidos de circular no bairro. O PT é exímio em criar argumentos inexistentes para melhor atacá-los.
Não vai demorar muito para que os “jovens” promovam um “evento” no shopping Higienópolis. Aliás, me espanta que ainda não o tenham feito. Nem só a imprensa, mas também as também as autoridades têm sido lenientes. Não se pode pode proibir reuniões ou a livre expressão dos “jovens”.
Mas baderna, invasão, pode sim senhor. Por isso os jornais estão procurando – com a Folha à frente – dar novos nomes a coisas antigas. Ainda há pouco, eu parafraseava o Discurso da Desigualdade, de Rousseau:
O primeiro homem que deitou na calçada e disse ser isto um direito seu e encontrou pessoas que acreditaram nele foi o fundador da desordem urbana. Daí vieram muitos assaltos e roubos, insegurança social e lixo humano, que poderiam ter sido evitados se alguém tivesse arrancado fora os colchões e papéis que lhes servem de cama e alertado para que ninguém aceitasse este impostor. Não podemos esquecer que as ruas pertencem a todos nós e a cidade também.
A batalha foi perdida no primeiro dia em que as autoridades deixaram um único homem morar na rua, como se rua residência fosse. Os “eventos” vão se espalhar pelos grandes centros e com eles o cidadão urbano terá de conviver.
21 de janeiro de 2014
janer cristaldo
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