Economistas escrevem copiosos e longos artigos sobre o quanto a taxa de câmbio do real, valorizada, prejudica a indústria local e contribui para a crise das contas externas apontada pelo déficit recorde nas transações correntes (TCs) com o exterior em 2013: US$ 81,4 bilhões.
Na realidade, é ainda maior, pois as contas foram contabilizadas como exportadas as plataformas de exploração de petróleo em atividade no País. Sem essa maquilagem, o déficit nas TCs teria sido 10% maior.
Claro que a taxa de câmbio do real valorizada pode estimular as importações, mormente num país que está em vias de desindustrialização há decênios, e por incentivar gastos no exterior.
Entretanto, faz melhorar a relação de intercâmbio, pois as exportações brasileiras são cada vez mais intensivas de recursos naturais, as commodities, cuja comercialização depende pouco da competição de preços.
De fato, foi o grande superávit nas mercadorias, acima de US$ 100 bilhões, que possibilitou o pequeno saldo positivo, de US$ 2,6 bilhões, na balança comercial, em queda impressionante, decorrente do crescente e enorme déficit externo dos produtos industriais: nada menos que US$ 105 bilhões.
Na realidade, o déficit industrial chegou a US$ 113 bilhões, se expurgarmos a “mágica” das plataformas. É consequência da desindustrialização do Brasil, dominado pelo capital estrangeiro.
A valorização cambial decorre do afluxo de capitais do exterior, que funciona como uma droga, com efeitos altamente prejudiciais à economia, inclusive a própria dependência dessa droga.
Por sua vez, os capitais forâneos são atraídos por taxas de juros altas, tendo sido as dos títulos públicos, elevadas, agora, a 10,5% aa. Nos EUA os títulos até dois anos pagam menos de 0,3% aa., e lá a dívida externa, de US$ 16 trilhões, supera o PIB, e a pública ascende a US$ 17 trilhões.
O Banco Central, ilegalmente independente na prática, age a serviço dos bancos e empresas transnacionais, inclusive de brasileiros que aplicam diretamente do exterior. As autoridades monetárias servem assim os concentradores, os reais detentores do poder.
Entre os prejuízos decorrentes dos juros altíssimos, está o de os juros para as empresas produtivas serem um múltiplo dos títulos públicos, o que eleva o custo de produção de bens e serviços.
As grandes empresas e as transnacionais não padecem com essas taxas, pois são favorecidas com benigna TJLP (taxa de juros de longo prazo) aplicada pelo BNDES e por taxas também suaves da Caixa Econômica e de outros bancos públicos.
Tudo isso é para fazer crescer os lucros das transnacionais, pois elas nem precisam de crédito - a que têm acesso no exterior a baixo custo - nem dependem de custos de produção baixos, porque, não sofrendo concorrência, aplicam os preços que desejam.
Ademais, elevado às nuvens pelos juros absurdos, o serviço da dívida federal absorve mais de 40% da despesa, impulsionado por taxas de juros acolhidas pelo governo, que, assim, perde capacidade de investimento e custeio.
Já se vê que as mazelas da economia brasileira são estruturais e não podem sanadas por medidas de política monetária ou fiscal, sem substituir o modelo dependente por um modelo econômico e social que atenda os interesses do País.
Assim, submisso ao modelo dependente, o governo não tem autonomia sequer para manejar as taxas de câmbio nem as taxas de juros, nem praticar políticas expansionistas ou contracionistas da moeda e do crédito.
O tenebroso art. 164 da Constituição dá todo o poder ao Banco Central para emitir moeda, para passá-la exclusivamente aos bancos privados, deixando sem recursos o setor público e o próprio Tesouro, assim obrigado a endividar-se com os bancos. Não bastasse tudo isso, suas disponibilidades de caixa têm que ser depositadas no Banco Central.
As causas do descalabro são, portanto, estruturais, sistêmicas. Como também estas:
a) a administração pública tornou-se incapaz de conduzir o desenvolvimento, com o Estado enfraquecido pelo serviço da dívida, e com as estatais incrivelmente capitalizadas pelo Estado antes de serem privatizadas em favor de grupos concentradores, inclusive estrangeiros.
b) o setor privado nacional continua vitimado pelas políticas públicas, desde que foi condenado a definhar, desde o golpe de 1954, que decretou a entrega do mercado ás empresas transnacionais, sem que tivessem sequer de investir realmente, subsidiadas, de forma absurda, para trazer suas máquinas usadas, amortizadas e mais que pagas no exterior.
c) esses oligopólios e carteis – que continuaram sendo subsidiados pela União, Estados e Municípios e ocupam posições dominantes - são os agentes da transferência de recursos para o exterior, através de diversas contas.
d) essa é a grande fonte da dívida externa, que se desdobrou na enorme dívida interna, cevada com a capitalização de juros, devido às taxas de juros extorsivas; estas, por sua vez, a raiz da dependência financeira, que pretende justificar as altas taxas de juros dos títulos públicos para atrair capitais a fim de compensar os déficits na conta corrente.
e) a ascendência das transnacionais fez delas as beneficiárias dos incríveis subsídios às exportações, instituídos desde o final dos anos 60, as quais não evitaram a explosão da dívida externa daí até o final dos anos 70, que também cresceu com os investimentos públicos na infra-estrutura e nas indústrias básicas, sob dependência financeira (comandada pelo Banco Mundial) e dependência tecnológica, agravadas em função das especificações impostas nas concorrências internacionais.
f) no “modelo brasileiro” – alardeado nos anos dos falsos milagres econômicos – não há como incorporar a maior parte da força de trabalho a um processo produtivo de qualidade, nem elevar o padrão de vida do grosso da população: só cresce a já esmagadora concentração da renda nas grandes empresas e os modestos programas de transferência de renda, na tentativa de sustentar parte do número gigantesco dos marginalizados, a grande maioria da população; tudo como o Banco Mundial gosta, enquanto as transnacionais extraem os recursos naturais do País e transferem para o exterior os lucros, principalmente como despesas, afora as crescentes remessas como lucros oficiais e juros.
Colocar o Brasil no caminho da industrialização, com produção crescente de bens de alto valor agregado e intensidade tecnológica é tarefa que não há como realizar sem as mudanças estruturais rejeitadas pela atual estrutura de poder, dominada pelos concentradores, que controlam também o processo político e os centros formadores de opinião, inclusive a mídia.
30 de janeiro de 2014
Adriano Benayon é doutor em economia e autor do livro Globalização versus Desenvolvimento.
Adriano Benayon é doutor em economia e autor do livro Globalização versus Desenvolvimento.
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