"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

CARTA ABERTA AOS JOVENS MÉDICOS

 

 

Estimados colegas, em um misto de saudosismo e alguma angústia, meio relutante a princípio, tomo a liberdade de enviar essas reflexões, que não têm pretensões a não ser doar um pouco de minhas andanças pelo desafiador caminho que o exercício da medicina nos impõe.

Motivou-me a tal atitude uma alarmante notícia que foi publicada nesta semana: 60% (seis em cada dez) recém-formados em medicina em São Paulo foram reprovados no teste de aptidão feito pelo Conselho de Medicina daquele estado, que hoje é obrigatório.

Meu Deus! No mais importante e desenvolvido estado do país, a maioria dos doutores que estarão atendendo a população não tem aptidão mínima para exercer a medicina (apesar da reprovação, recebem seus CRMs, mas não podem fazer residência médica naquele estado).
Ainda pior: entre os oriundos de faculdades particulares, a reprovação subia para 74%, assim, 3 em cada 4 médicos não têm habilidades mínimas para diagnosticar e tratar doenças básicas.
E quando médicos de outros estados tentaram passar no exame (que equivale ao Revalida para estrangeiros, composto por 120 perguntas de múltipla escolha, das quais 70% delas são consideradas fáceis ou básicas e exigem nota 6 para aprovação) o constrangimento veio com quase 80% de reprovação.

Imaginem, meus jovens colegas, como estará a formação da medicina no restante do país? E pergunta-se quando o teste terá obrigatoriedade nacional, já que aos governantes importa apenas mais e mais médicos, com cem números de novas e caríssimas escolas de medicina (sim, coloquei em letras minúsculas), abertas sem nenhuma condição e altíssimas mensalidades, obrigando as atuais escolas a ampliar o número de vagas.

“SEMIFORMADOS”

Sem contar que hoje há dezenas de milhares de jovens brasileiros nos países latino-americanos (em especial na Bolívia, na Argentina e no Paraguai ), formados sabe-se lá em que tipo de faculdade, com a esperança de se inserirem no mercado.Ufa!
Quanto desafio para todos nós. Mas pergunto a vocês, meus jovens colegas, se estão de fato preparados para receber pacientes que necessitam de um acolhimento cada vez mais complexo no consultório.
Pois creiam, quem chega até um médico está sofrendo severamente física e/ou psíquica e/ou socioeconomicamente (com a expansão de bebidas, drogas, violência doméstica, desagregação familiar). E como dói a angústia que aperta o peito ou o medo que dispara o coração.

Ser médico, meus meninos, é exercer uma arte, um dom, é sobretudo amar nossos semelhantes, tentar compreendê-los, aplacar suas dores cada vez menos físicas e mais emocionais, por estresse, baixa condição social, resultantes das pressões de um mundo urbano, violento, competitivo, sem regras, ética, com desigualdades insuperáveis e uma tecnologia que nos faz viver numa ficção virtual enquanto adoecemos na vida real.

Por que, meu jovem, você optou pela medicina? Pois ouço vida a fora respostas como “pelo status, para salvar a vida das pessoas, pela grana, minha família queria, pelo mercado de trabalho, porque meus pais são médicos, porque gostava de biologia…”. Reflita, pare um momento, mergulhe em si mesmo, em sua história de sua vida e responda internamente: você está preparado para atender seu semelhante?

TROCAR DE LADO

Imagine então se seus pais, um filho seu ou sua esposa fossem ser atendidos por um médico com a mesma formação, com mesmo domínio da medicina que você tem. Pois aí está uma dica básica: compreender alguém é trocar de lado com ele. Atenda seu paciente como gostaria de ser atendido (ou seus amados familiares). Seres humanos são sagrados e sua profissão lida com o divino.

Com certa melancolia, digo que “curar” é dom, e não é exclusividade de médicos. Por isso, colegas , valorizem os profissionais da saúde – enfermeiros, psicólogos, fisioterapeutas, nutricionistas, assistentes socias, odontólogos, educadores físicos, terapeutas alternativos, fonoaudiólogos, entre outros –, pois arrogância e vaidade médica são mais comuns que se possa imaginar.

Não consigo ficar indiferente diante de notícias que mostram o risco de a arte médica ser substituída por “técnicos em medicina”, sem vocação, sem visão humanitária e social, com suas consultas de 5 minutos, livrando-se de pacientes como se leprosos eles fossem.
Aliás, me aposentei por incompatibilidade da filosofia atual da medicina, mas continuo amando a arte médica.

(transcrito de O Tempo)

30 de janeiro de 2014
Eduardo Aquino

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