Duas décadas e meia passadas, as águas do rio ainda se esparramam em direção ao oceano, desviando de barreiras para dar vazão a seu curso. Afinal, a obra de um rio se completa quando suas águas abraçam o mar. Se não houver espaço por onde fluir, a inundação pode ocasionar desastres.
O retrato que flagra a vida social do país nos últimos tempos deixa ver no fundo da paisagem sombras e vultos que se fizeram presentes na modelagem da Lei Maior do país. A movimentação social que se viu nas praças e ruas das grandes cidades em meados do ano passado, ou os “rolezinhos” de jovens em shopping centers, como se veem hoje, são fenômenos com origem nas mesmas torrentes que fecundaram essas plagas.
Sob ares democráticos, grupamentos que formam a comunidade nacional, cada um a seu modo, procuram meios e formas para expressar sua identidade e suas demandas.
Nos idos da redemocratização (1985/1986), abriu-se por completo a locução, resgataram-se as liberdades, rompeu-se o elo do medo. Hoje, nem a juventude madura consegue inserir na cachola a tal Constituição Cidadã de 1988.
CONSUMISMO
Mergulharam as turbas jovens nas águas do consumismo desvairado. O hedonismo, a intensa busca do prazer, a necessidade de autoafirmação, a busca de identidade, sob a moldura das enormes carências em periferias superpovoadas, fecham o circuito indutivo.
O todo só existe porque a parte, ele, ali está, visível, onipresente. A degradação dos serviços públicos, a desastrada infraestrutura de lazer nas cidades, a falta de praças e até de bancos para sentar incitam a criação de ações e pequenas mobilizações, que, de maneira surpreendente, acabam gerando efeitos estrondosos por se impregnarem do espírito do tempo.
Contingentes desfilando com bandeiras reivindicatórias são extensões dos braços de uma democracia em processo de consolidação. Simbolizam a vontade social de maior inserção no processo democrático.
Convém registrar, por último, a forma como governantes e proprietários têm considerado os ajuntamentos em shopping centers. Tratam o caso como questão policial, e não como fenômeno social. Não se pode proibir o ingresso de um jovem nesse ambiente olhando para a cara ou a roupa. É claro que a propriedade particular deve ser preservada de baderna. O bom senso deve guiar os ânimos.
No mais, é esperar. O Carnaval vem aí, e as águas vão rolar.
(transcrito de O Tempo)
25 de janeiro de 2014
Gaudêncio Torquato
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