Como paulistana que sou, adoro São Paulo, a terra da garoa, a cidade do movimento, o centro financeiro, a cidade que não dorme.
Quer os melhores restaurantes? São Paulo tem. Procura lazer a qualquer hora do dia e da noite? São Paulo tem. Busca a cultura? Isso não falta. Grandes escolas, graduações, mestrados, doutorados, cursos técnicos? Sim, nós temos grandes, pequenos e enormes instituições educacionais no quesito qualidade. Precisa de excelência médica? São Paulo é referência.
Quer segurança? Não adianta procurar. Busca vagas em escolas? Esqueça! Está doente? Reze, ore, implore por uma boa alma caridosa, caso não tenha convênio ou possa custear uma consulta!
Essa contradição é uma enorme cratera na qualidade de vida do cidadão paulistano e não será necessário viajar 460 anos para entender o fato. Voltemos, aproximadamente, 40 anos apenas, quando a Marginal Pinheiros estava sendo construída, as ruas não eram avenidas, crianças brincavam nas ruas.
Era um tempo em que o lazer era barato, acessível, pois os parques da cidade ofereciam atividades, as crianças brincavam nas ruas até tarde, sem que isso fosse motivo de preocupação para os pais. A população cresceu e a falta de planejamento urbano, aliada à falta de responsabilidade dos eleitos, contribuiu para gerar a desordem atual.
A população foi se adaptando, fazendo de qualquer espaço a própria moradia. Escolas, hospitais e policiamento não cresceram na mesma proporção, o que ampliou significativamente o abismo entre sonho e pesadelo.
O sonho da terra da garoa virou o pesadelo de uma cidade submersa pelas águas da chuva. Agora, neste exato momento em que escrevo este artigo, o dia ficou noite. Contra os fenômenos da natureza não podemos lutar. Porém, o que vejo daqui são árvores caídas, sinais de trânsito apagados, ruas alagadas e cidadãos desnorteados, sem saber se correm ou se permanecem onde estão. Qual a novidade nisso? Nenhuma! É um “reviver” das águas de verão.
Domingo passado, o pesadelo foi em um parque paulistano quando um arrastão apavorou quem por ali buscava lazer. O ano letivo recomeça esta semana e a quantidade de alunos sem escola é assustadora!
Na USP, referência mundial, não se anda mais em segurança. Ciclistas são roubados, pedestres vivem assustados; alunos e professores não sabem o que lhes espera no trajeto casa-escola-trabalho, dentro do próprio Campus.
Aos shoppings, conhecidos como “praias de paulistas” não se vai mais com tranquilidade. Os “rolezinhos” ganharam seu espaço.
Até o World Bike Tour, evento organizado para a comemoração da cidade, foi transferido por questões burocráticas do transporte das bicicletas. Há quanto tempo se sabe do evento?
São Paulo mais se parece com a TERRA DO GERÚNDIO do que a terra da garoa. As desculpas esfarrapadas dos governantes são sempre as mesmas dos prestadores de serviços: “estaremos cuidando, estaremos agindo, estaremos buscando soluções, estaremos contratando, estaremos transferindo o evento…”
O passado não ensinou aos governantes como se faz uma cidade. Vivem no tempo gerúndio e aos paulistanos só resta reclamar para ninguém a perda de um futuro. Comemorar 460 anos com shows, cerimônias, discursos… balela! A cidade e os cidadãos merecem segurança, saúde e educação.
Parabéns São Paulo? Copa do Mundo?
Ah, claro! “Estaremos organizando e cuidando” para que todos sintam-se seguros! Sorte nossa que os tempos verbais são muitos. Viva o gerúndio, o melhor aliado da esperança!
Um passado de sonho. Um presente de pesadelo. Um futuro de gerúndio…
25 de janeiro de 2014
Lígia Fleury é psicopedagoga, palestrante, assessora pedagógica educacional, colunista em jornais de Santa Catarina
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