Bem, a morte de Nelson Mandela anda a produzir mistificações, como escrevi há pouco, mundo afora. E serve até ao proselitismo interno. Vejam esta foto, divulgada pelo Palácio do Planalto.
A presidente Dilma e os quatro ex-presidentes embarcam para a África do Sul para o velório do líder sul-africano. Todos com um ar, assim, sorridente mesmo. Tenho cá as minhas desconfianças se o decoro não pediria outra coisa. Afinal, não estão rumando para a posse de Mandela, não é? — não, ao menos, aqui na terra; parece que um trono o aguarda no Reino dos Céus; se é que já não chegou a hora de depor Aquele Lá, né?
No Twitter, a equipe de marketing de Dilma aproveita para fazer proselitismo político. Vejam:
Que engraçado!!!
Lula e Dilma foram adversários políticos dos três outros ex-presidentes que aparecem na foto, né? O Babalorixá de Banânia esculhambou impiedosamente cada um deles. E acabou se compondo politicamente com todos eles, menos com… FHC!
Sim, senhores! Vejam a foto. Todos ali, exceto FHC, fazem parte da base aliada. Não por acaso, o tucano é o único que representa um partido que pode ser uma alternativa real de poder. O PT decidiu incorporar as qualidades de Sarney. O PT decidiu incorporar as qualidades de Collor. O PT só não quer saber das qualidades de… FHC!
Eu sou chato mesmo! Acho que sempre é tempo de pensar. Essa gente unida e sorridente da foto não espelha o Brasil real. Acaba de vir a público uma história escabrosa sobre a forma como o PT usa a estrutura do estado para destruir adversários. Até Ruth Cardoso, mulher de FHC, foi alvo da baixaria. Há dois ou três dias, num evento público, Lula se referiu à cocaína encontrada no helicóptero da família Perrella como “coisa do lado de lá” — como se fosse um problema da oposição.
Dilma diz no Twitter que a viagem é um exemplo de que “as divergências do dia-a-dia não contaminam as questões de Estado”. Com a devida vênia, não caio nessa. Fazer dossiê contra adversários e vazá-los não é coisa de “divergência do dia-a-dia”; sugerir que os adversários estão ligados ao tráfico de drogas também não. Nesse caso, seria melhor não fazer a viagem coletiva e ter mais respeito pelos adversários.
A morte de Mandela não me impede de ver o que acontece na África do Sul.
A morte de Mandela não me impede de ver o que acontece no Brasil.
10 de dezembro de 2013
Reinaldo Azevedo - Veja
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