"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

OS "EXÉRCITOS DEMOCRÁTICOS DO POVO"


          Artigos - Movimento Revolucionário        

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Outras seções do trabalho analisavam temas altamente complexos, como, por exemplo, “Berrando com Soldados, Oficiais Convocados e Oficiais do Corpo Feminino do Exército” e “Berrando com Oficiais de Serviço”.


“Exércitos Democráticos do Povo” era a denominação dada aos exércitos dos países da Europa Oriental que, pela força, viram-se obrigados a seguir o almanaque stalinista do socialismo real.
Sobre os absurdos impostos pelo comunismo na preparação dos exércitos desses países, foi editado no Brasil o livro “A República das Putas”, de autoria de Josef Skvorecky. O livro, escrito em 1968, após a invasão da Checoslováquia pelas tropas soviéticas, que esmagaram a Primavera de Praga, aborda a preparação do exército checo para a guerra contra os Estados Unidos.
O personagem central é um major politicamente correto e bajulador, que vende sua alma aos condecorados oficiais soviéticos. Enquanto isso, a tropa faz de tudo para prejudicar e levar ao ridículo a oficialidade. Assim era a vida nesse “Exército Democrático do Povo”, em seus momentos mais insanos e rudes. Apesar dos regulamentos e regras opressivas, os personagens se desdobram para encontrar o caminho da liberdade.
Transcrevemos um trecho desse livro com algumas adaptações objetivando facilitar a leitura e a compreensão.
Ao final do expediente, o major sentou-se à mesa, abriu uma gaveta, puxou um volumoso caderno e começou a reler o que escrevera ao longo dos últimos meses. Tratava-se de um trabalho de Estado-Maior que consumira todas as suas horas de folga, o que o deixava muito orgulhoso. O trabalho tinha a pretensão de ser um tratado militar pedagógico e, talvez, transformado em Manual de serviço. Seu título era “Um Curso de Treinamento de Intimidação”, com o subtítulo “A Arte de dar Esporro, para os Oficiais das Forças Armadas da Checoslováquia”.  Observe-se que no tempo do socialismo real, era praxe que os títulos de qualquer publicação deveriam ser quilométricos.
Na primeira página, o major havia escrito um pensamento: “O Soldado sem Senso de Humor é um Mercenário – J. V. Stalin” (essa frase fora inventada pelo major para o caso de o trabalho cair em mãos não autorizadas). Na página seguinte havia um sumário dividindo a matéria em seções: “Berrando”, “Dando Esporro”, “Intimidando”, e assim por diante. Cada uma dessas seções era, por sua vez, dividida em capítulos e, no final de cada capítulo havia um breve resumo baseado na “História do Partido Comunista”.
O major passou a reler seu trabalho com um prazer quase sexual. O primeiro capítulo – “Uma Introdução Histórica: as Origens e o Desenvolvimento do Berro” – continha informações sobre Julio César e sua importância para a teoria clássica do berro. Os capítulos seguintes estudavam o tema ao longo de vários períodos históricos, dando ênfase especial ao tema “O Berro nos Exércitos Feudais”, que continha uma subseção – “O Berro entre os Mercenários” -, depois “O Berro nos Exércitos Capitalistas” e, finalmente, “O Berro no Exército Vermelho e no Exército Checoslovaco do Povo”.
A seguir vinha uma passagem analítica sobre “O Berro Classificado por Tipos”, com uma longa apresentação dedicada ao “Berro nas Igrejas”, a qual possuía subseções abordando o berro nas Igrejas Católica, Protestante e Ortodoxa (enfatizando a missão pacífica da Igreja Ortodoxa) e nas Sinagogas (dando ênfase à essência reacionária do Sionismo). Finalmente, para concluir, “O Berro nos Altares Ateístas, Casas de Oração e Igrejas”.
Após tudo isso, seguia-se o capítulo “Reflexões de Marx, Engels, Lênin e Stalin sobre o Berro”, entremeado de citações a eles atribuídas, mas totalmente desconhecidas. A seguir, um capítulo altamente instrutivo denominado “A Dialética do Berro. Pode-se Berrar com um Oficial Superior? Suas Conseqüências”. E, como conclusão, uma breve recapitulação que continha uma mensagem: “Como Berrar Melhor”.
Outras seções do trabalho analisavam temas altamente complexos, como, por exemplo, “Berrando com Soldados, Oficiais Convocados e Oficiais do Corpo Feminino do Exército” e “Berrando com Oficiais de Serviço”.
Havia também um ensaio histórico muito bem pesquisado, intitulado “Aníbal e o Declínio do Berro nos Exércitos Cartagineses”. A abordagem de classe construída pelo major era sempre correta, como “Spártaco, o Pai do Berro Democrático”. Por outro lado, o aspecto intelectual era de alto calibre: “O Berro como Instrumento da Paz Mundial”.
A amplitude do material constante de outro capítulo comprovava a erudição do autor e seu senso prático: “Como ser Condecorado por Berros Exemplares”.
O major folheou por longo tempo suas anotações, fez algumas mudanças, acréscimos e aprimoramentos, mas acabou vencido pela exaustão, deitou-se no sofá, caiu no sono e sonhou. Sonhou que os oficiais, comportando-se exatamente segundo o espírito do que escrevera, fizeram com que ele fosse levado a uma Corte Marcial. Após ser julgado, foi condenado à pena de morte sob a acusação de traição à pátria, “por divulgar segredos militares”.
 
03 de dezembro de 2013
Carlos Azambuja é historiador.

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