"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

"0013, LICENÇA PARA SER CORRUPTO"

Nas entrelinhas do discurso oficial petista e nas manifestações explícitas da militância que abundam nas redes sociais se consolida a afirmação do princípio de que em política os fins justificam os meios e, por isso, os condenados do mensalão - os filiados ao PT, claro, pois os demais são ignorados - foram injustiçados e não merecem estar presos. É mais ou menos como se os petistas tivessem decidido que seus destemidos agentes empenhados na luta do Bem contra o Mal são, como James Bond, justiceiros portadores de uma licença especial para, no caso, serem corruptos. São os heroicos agentes 0013.
 
Recentemente encontrei no Facebook pelo menos três militantes petistas diferentes defendendo com todas as letras a ideia de que é preciso ter a coragem de assumir, realisticamente, que é "impossível" governar sem o apoio de uma ampla aliança partidária, o que implica, infeliz, mas inevitavelmente, a presença de políticos de má reputação nas linhas governistas. Cerca de 20 anos trás, logo após ter passado pela experiência de ser deputado federal como constituinte, Lula proclamou - e todos sabem que com razão - que o Congresso Nacional estava infestado por "300 picaretas". Depois ele assumiu o governo por oito anos e hoje, provavelmente, esse número é bem maior. Significa que o PT renegou a sua pregação histórica pelo saneamento da política e, em vez de, no poder, combater a corrupção que sempre denunciou, preferiu tratar os corruptos com indulgência e até mesmo, quando necessário, a eles se aliar.
 
Mas é preciso tomar cuidado com a afirmação de que o PT se aliou aos corruptos, porque a colocação da questão nesses termos implica aceitar que os corruptos estão todos fora do PT e são apenas "aliados" circunstanciais. A verdade é que Lula e seu partido renunciaram ao bom combate contra a corrupção e, em nome da "governabilidade", a ela se renderam. Dilma Rousseff que o diga. Basta ver como foi constrangida a recuar na "faxina" que promoveu nos altos escalões do governo logo nos primeiros meses de seu mandato.
 
É natural, portanto, que agora os petistas procurem defender os seus condenados por corrupção no episódio do mensalão, recorrendo, como de hábito, ao ataque como a melhor defesa. A tentativa de demonizar o ministro-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) faz parte desse jogo. Para os companheiros de Lula, Joaquim Barbosa é quem merecia estar na cadeia, por não ter respeitado a licença especial dos agentes 0013.
 
Mas quando se fala em corruptos do PT e no caso do mensalão se impõe uma ressalva relativa a José Genoino. Ninguém de boa-fé há de duvidar da honestidade pessoal e do espírito público do ex-presidente do PT, atualmente encarcerado. Muito diferente de José Dirceu, hoje um homem rico que, apeado do poder formal, se dedicou a ganhar dinheiro, muito dinheiro, explorando seus contatos e sua influência nos governos petistas, Genoino vive de modo compatível com sua condição de cidadão de classe média. Acontece que, por ironia, não foi preciso aplicar a teoria do domínio do fato para condenar Genoino, pois ele próprio se encarregou de fornecer provas irrefutáveis de seu envolvimento no esquema do mensalão, assinando como presidente do partido as autorizações para o tesoureiro Delúbio Soares fazer a movimentação financeira ilegal que abasteceu o propinoduto viabilizado por Marcos Valério.
 
Genoino, que é honesto, mas não é cego nem burro, sabia muito bem no que se estava metendo. É imaginável até que, não concordando com a maracutaia, tenha tentado levar suas objeções ao chefão do esquema. Também não é difícil imaginar a reação de José Dirceu, impaciente com a hesitação do companheiro: "Pô, Genoino, larga mão de frescura e assina logo isso aí!". E a virtude de um homem probo se esvaiu pelo ralo da força maior. Mas não se pode descartar a hipótese de que ele tenha assinado os documentos sem duvidar de que estivesse fazendo a coisa certa. Nesse caso, não tem do que reclamar.
 
O forte apelo emocional que tem a imagem de boa gente de José Genoino - para cuja exploração a atual debilidade de sua saúde é extremamente oportuna - tem sido usado sem a menor cerimônia pelo PT na tentativa de desacreditar um dos Poderes da República, que acusa de ter transformado em "presos políticos" devotados servidores do Bem. Preso político é aquele punido por conspirar ou agir, por convicção ideológica, contra os Poderes constituídos. Por mais que os petistas ousem manipular a semântica, é absolutamente incongruente a ideia de que fiéis dirigentes e militantes do partido que detém o domínio político do Estado sejam "presos políticos" em seu próprio país.
 
Lula - que, apesar do sentimento de onipotência de que é possuído, amarga a frustração de seu propósito de "desmontar a farsa do mensalão" - tem abusado do direito de ser insensato em suas recentes investidas contra o Supremo Tribunal Federal. Ainda há pouco se queixou de que, para "eles", "a lei só vale para o PT". Numa só frase, duas tolices. Uma, o ato falho de admitir que o STF aplicou a lei no julgamento do mensalão. A outra, ignorar que, além do PT, outros partidos foram atingidos pelas condenações, inclusive o grande aliado PMDB.
 
Essa, enfim, é a lógica de um partido que tem a pretensão de se apresentar como detentor exclusivo da fórmula da felicidade para o Brasil. Em seu maniqueísmo, os petistas pretendem convencer a Nação de que os inimigos são, não importa no que acreditem ou o que façam, todos aqueles que... não são petistas. Até os aliados, mesmo os de boa-fé, são tratados com uma tolerância que não vai além dos limites estritos dos interesses eleitorais de quem almeja perpetuar-se no poder. Um fim que justifica todos os meios. E a serviço do qual foi concebido o intrépido esquadrão dos agentes 0013.

03 de dezembro de 2013
A. P. Quartim de Moraes, O Estado de São Paulo

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