O ser humano vive atrás de um significado maior para qualquer coisa que resuma uma época —seja a chegada do primeiro operário à Presidência da República ou a descoberta de que a pureza socialista é a amoralidade reacionária que ainda não foi apresentada ao Marcos Valério.
Os brasileiros do futuro talvez enxerguem como um desses momentos simbólicos a chegada dos primeiros condenados do mensalão à penitenciária da Papuda. Dirão que foi um momento histórico porque nessa época o Brasil se deu conta de que o seu sistema prisional, para dar certo, precisava trocar de presos.
Era necessário substituir os detentos existentes —pobres e pretos— por presidiários mais bem-postos na vida. Bastaram 13 dias de permanência dos condenados do mensalão atrás das grades para demonstrar os efeitos benfazejos que a qualificação social da população carcerária exerce sobre a qualidade dos serviços.
No início da semana, na segunda e na terça-feira, os doutores Bruno André Silva Ribeiro, Ângelo Pinheiro Fernandes de Oliveira e Mário José de Assis Pegado visitaram a Papuda. Juízes lotados na Vara de Execuções Penais de Brasília, eles entrevistaram servidores e presos.
Os magistrados ouviram queixas contra os privilégios concedidos aos detentos dos núcleos político, publicitário e financeiro do mensalão. A princípio, os doutores pensaram que a periferia da cadeia estivesse com raiva. Logo perceberam que era inveja o que os entrevistados sentiam.
Em decisão tomada nesta quinta-feira (28), os juízes determinaram que os presos da Papuda recebam tratamento igual ao dispensado aos detentos da hospedaria Papuda’s Inn. Fizeram, por assim dizer, uma ameaça ao governador petista de Brasília, Agnelo Queiroz.
“A Vara de Execuções Penais estenderá a todos os presos do sistema prisional local eventuais direitos, garantias ou regalias concedidas por ato administrativo, formal ou não, a determinado sentenciado ou grupo de apenados, especialmente no que se refere a regras de visitação e alimentação.”
No português do xadrez: ou democratiza-se o tratamento companheiro ou socializa-se o inferno. O que não pode, anotaram os juízes no despacho desta quinta, é “aceitar a existência de dois grupos de seres humanos: um digno de sofrer e passar por todas as agruras do cárcere e outro, o qual deve ser preservado de tais efeitos negativos.”
Em 19 de novembro, quatro dias depois da prisão dos mensaleiros, o petismo reuniu num manifesto as assinaturas de 150 brasileiros ilustres. Gente como o presidente do próprio PT, Rui Falcão; o mandachuva do PCdoB, Renato Rabelo; os juristas Dalmo Dallari e Celso Antonio Bandeira de Mello; o presidente da CUT, Vagner Freitas; o líder do MST, João Pedro Stédile; os líderes do PT no Senado, Welington Dias, e na Câmara, José Guimarães; o escritor Fernando Morais; o cineasta Luiz Carlos Barreto; e o professor Emir Saber.
Os signatários do manifesto questionaram a idoneidade e o preparo do presidente do STF, Joaquim Barbosa. Acusaram-no de promover “prisões ilegais.” Lê-se no texto, a certa altura:
“Sem qualquer razão meramente defensável, organizou-se um desfile aéreo, custeado com dinheiro público e com forte apelo midiático, para levar todos os réus a Brasília. Não faz sentido transferir para o regime fechado, no presídio da Papuda, réus que deveriam iniciar o cumprimento das penas já no semiaberto em seus Estados de origem. Só o desejo pelo espetáculo justifica.”
Noutro trecho do manifesto, os inconformados anotaram: “Mais que uma violação de garantia, o caso do ex-presidente do PT José Genoino é dramático diante de seu grave estado de saúde. Traduz quanto o apelo por uma solução midiática pode se sobrepor ao bom senso da Justiça e ao respeito à integridade humana.” Lula ecoou as críticas a Barbosa: “Parece que a lei só vale para o PT.”
O presidente do STF ainda não disse uma palavra em sua defesa. Não foi necessário. Os próprios presos do PT se encarregaram de redimi-lo. Hoje, ninguém mais quer saber de puxar cadeia nos seus Estados. Todos rogam a Barbosa que lhes assegure o supremo privilégio de continuar desfrutando das facilidades carcerárias do Papuda’s Inn.
José Dirceu descolou emprego de R$ 20 mil como gerente administrativo de um hotelzinho camarada. Para apressar a análise da petição em que pede para trabalhar durante o dia e usufruir das instalações carcerárias à noite, ele trombeteia seus 67 anos e invoca o Estatuto do Idoso.
Delúbio Soares informou a Barbosa que também arranjou um emprego na Capital. A CUT brasiliense se dispõe a contratá-lo. Não se sabe, por ora, quanto vai receber o ex-gestor das arcas do PT.
Até o cardiopata Genoino fez ver a Barbosa que já “aceita” ficar detido na ala VIP da Papuda. Nos últimos dias, o paciente submeteu-se a uma multiplicidade de exames. Duas juntas médicas —uma da UnB e outra da Câmara—chegaram às mesmas conclusões: Genoino precisa se tratar e tomar remédios regularmente. Mas o problema que carrega na aorta, já tratado no Sírio-Labenês, “não é grave”.
Paradoxalmente, a boa notícia foi lastimada pela defesa de Genoino, em prisão domiciliar temporária. Seus advogados embrenham-se pelas entrelinhas do laudo médico da Câmara para brandir a tese de que a saúde do preso, por precária, justifica a prisão doméstica. Nessa hipótese, Genoino quer ir para sua casa, em São Paulo.
No entanto, escrevem os advogados de Genoino na petição enviada a Barbosa, “na inimaginável hipótese de que venha a ser o requerente recambiado ao regime semiaberto, requer, desde já, a desistência dos pedidos formulados para que fosse transferido a instituição penitenciária adequada no Estado de São Paulo, tendo em vista que aceita cumprir a pena privativa de liberdade no Distrito Federal.”
Nesse ritmo, Lula e os 150 signatários do manifesto anti-Barbosa organizado pelo PT ainda vão fazer uma vaquinha para mandar erguer defronte do Papudas Inn uma estátua em homenagem ao presidente do Supremo. No futuro, o busto de bronze será visitado por hordas de turistas e curiosos interessados em conhecer a história de um Brasil remoto.
Um Brasil que, de repente, se deu conta de que o problema de suas prisões não era a superlotação de pobres e pretos. O que fazia a nação se envergonhar era a ausência do contraste com os presos de grife, cujos estômagos não aceitam a gororoba das quentinhas e que recebem visitas a qualquer hora. Sem filas nem senhas.
29 de novembro de 2013
Josias de Souza - UOL
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