Se a atuação do BC ajuda a dar credibilidade ao discurso oficial contra a inflação, no lado fiscal o comportamento do governo continua a não inspirar confiança
"Os inevitáveis juros de dois dígitos"
Se a atuação do BC ajuda a dar credibilidade ao discurso oficial contra a inflação, no lado fiscal o comportamento do governo continua a não inspirar confiança
Na sexta elevação consecutiva, pelo Conselho de Política Monetária (Copom), do Banco Central, os juros básicos da economia chegaram a 10%, numa decisão coerente com o quadro de uma inflação persistente, disseminada, em nível elevado, na fronteira dos 6%, apenas a quase meio ponto percentual do limite superior da meta — que o discurso político-eleitoral do governo ensaia transformar na própria meta, quando o alvo a ser perseguido são os 4,5%, o centro dela.
Decidida por unanimidade, quarta-feira, a remarcação da Selic faz o Brasil voltar aos juros de dois dígitos, patamar abaixo do qual as taxas estiveram por 20 meses, quase dois anos. O BC, dessa forma, ultrapassa uma espécie de barreira psicológica e, em certa medida, melhora de imagem, devido a especulações de que o Planalto não permitiria o rompimento dessa fronteira, preocupado com o calendário das eleições. Mas é certo que a atuação do BC continuará a ser analisada pelo ângulo de hipotéticas influências políticas, à medida que as urnas de outubro de 2014 fiquem mais próximas.
Mais esta elevação da Selic atenua o mau humor dos mercados com as perspectivas da economia brasileira. Ao menos, confirma a veracidade da profissão de fé oficial contra a inflação. Mas ainda não é suficiente para reverter todas as suspeições.
Se a aceleração das licitações também ajuda a melhorar as perspectivas para o país, os gastos públicos e a transparência da política fiscal ainda são uma zona nebulosa, em que subsistem sinais contraditórios.
Num rasgo de sensatez, o Planalto retirou o apoio à operação de implosão da Lei de Responsabilidade Fiscal, a ser executada pela troca retroativa dos índices de correção das dívidas federalizadas de estados e municípios. Além de ser uma manobra de evidente inspiração política, pois a prefeitura petista de São Paulo seria a grande beneficiária da mudança, a operação criaria grande espaço para mais endividamento pelos entes federativos. Tudo começaria outra vez, até novo ciclo de falência fiscal, a ser bancada pelo contribuinte, como sempre. Outro sinal positivo foi o “pacto” entre a presidente Dilma e a base parlamentar contra a aprovação de projetos que implicam novas despesas.
Em compensação, por iniciativa do governo, o Congresso acaba de modificar a Lei de Diretrizes Orçamentárias deste ano, para que investimentos também possam ser abatidos da meta fiscal de estados e municípios. Ou seja, mais afrouxamento fiscal, quando se sabe que a própria meta global do superávit primário deverá ficar aquém dos 2,3% do PIB reestimados pelo próprio Ministério da Fazenda.
E é devido a descompassos na política fiscal que o BC tem sido obrigado a agir, por meio do aperto na política monetária. Tanto menor terá de ser este aperto quanto mais verdadeiro for o discurso oficial de austeridade.
29 de novembro de 2013
Editorial de O Globo
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