O Brasil está mal em educação e, pelo visto, quer melhorar seu desempenho com o chicote do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Primeiro, criou um exame que reflete a incapacidade do Estado de fiscalizar a qualidade do ensino. Se não conseguimos melhorar a qualidade do ensino, chibata nos iludidos. Afinal, a culpa não é sempre do estudante. O Ministério da Educação (MEC) prefere olhar pelo retrovisor a olhar pelo para-brisa. Os educatecas (obrigado, Elio Gaspari), já que não resolvem o problema com reais soluções, fa-lo-ão punindo as vítimas.
Há gente que apenas não quer fazer o Enem. É uma liberdade assegurada pela Constituição, mas os educatecas põem todos no mesmo vagão. Destino: um campo de condenados. Talvez queiram imitar (mal) a Coreia do Sul. Lá, um exame feito no fim do curso secundário define o futuro de um estudante: se será um felizardo por toda a vida - seja na burocracia governamental, seja nos chaebols, os grandes conglomerados industriais - ou um pária para sempre, porque não se saiu bem num exame. A Coreia está repensando o que a revista inglesa The Economist (26/10) chamou de corrida armamentista: todos correm numa raia só para se saírem bem na prova que definirá a universidade - mas nem a economia nem a felicidade se resumem a um diploma universitário.
No Brasil, quem vai para a burocracia governamental regulará cada vez mais a vida de todos nós. Quem vai para a empresa privada terminará junto com muita gente no topo e pouca gente para fazer o que é importante no processo produtivo. De ambas as coisas se queixam muito os empresários brasileiros e são eles que fazem o Brasil crescer.
Na Coreia do Sul, menos estudantes estão optando por fazer o exame e aceitando que a felicidade pode estar fora daquilo que o bom resultado nele garante. A pressão é simplesmente muito grande e talvez não compense os sacrifícios.
Nos Estados Unidos a democratização da universidade começou com o fim da 2.ª Guerra Mundial. Todos os veteranos da guerra tiveram acesso a um curso universitário ou profissional e puderam melhorar de vida. Esse sistema subsistiu até cerca de 2005. Aí a economia disse: basta! Precisava de mais gente treinada para cumprir as tarefas de nível médio. Para isso a universidade é demais. Hoje, para muita gente, não compensa endividar-se para fazer um curso universitário que já não garante um emprego mais bem remunerado.
Em conversas com empresários brasileiros, estes dizem querer menos regulação e mão de obra mais competente no nível médio e operacional, "onde as coisas acontecem". Melhor um college de dois anos ou reciclagens periódicas. Com matérias específicas, universitárias ou não, concluídas num curso via internet, servem melhor às necessidades das empresas, que estão sempre sendo forçadas a inovar, e aos empregados, que precisam estar atualizados.
Há alguns anos uma universidade brasileira ofereceu cursos com aulas das 11 da noite à 1 da madrugada. Os educatecas chiaram: ninguém pode estudar a sério nesse horário, disseram. Depois de uma longa queda braço cederam e os cursos são um sucesso. Enquanto isso, o Senai (que, felizmente, não é controlado pelos educatecas) passou a oferecer cursos ligados à ferramentaria, das 4 da madrugada às 7 de manhã, no Complexo do Alemão. Havia fila na porta e a moçada que de lá saía tinha emprego garantido porque e economia precisava. Felizes eles, que não eram regulados pelo MEC.
Quem toma decisões em Brasília muito pouco contato tem com quem produz riqueza e paga impostos que sustentam o governo. Resultado cruel: mais políticas que saem da cabeça de quem não tem nenhuma experiência no processo produtivo e prejudicam a satisfação das necessidades reais da produção. A ânsia regulatória-fiscalizatória desvia atenções e recursos, que deviam ser canalizados para o crescimento, para atividades cartoriais e certificatórias que pouco ou nada rendem e muito atrapalham.
Steve Jobs, da Apple, e Bill Gates, da Microsoft, largaram a universidade e por isso puderam inovar. Peter Thiel, que ficou bilionário com o PayPal e com o Facebook, criou, por meio de uma fundação com seu nome, 20 bolsas por ano para estudantes com menos de 20 anos de idade largarem cursos universitários e se dedicarem a desenvolver inovações, orientados não por burocratas governamentais, mas por empresários de sucesso que produzem as coisas que nos fazem mais felizes. Esse choque de realidade faria efeito aqui, mas cá nem Jobs nem Gates poderiam ensinar em nenhuma faculdade porque não são formados por uma...
A Coreia pensa em "descomprimir" o sistema credencial. No Brasil, educatecas criam mais obrigações para "comprimir" mais os adolescentes com políticas que estão sendo abandonadas em outros países. Burocratas ouvem falar de programas que parecem ser muito bons em outros lugares e os transplantam para o Brasil sem saber de suas disfuncionalidades. Ou seja, criam políticas sem pés nem cabeça, "macaqueadas" de outros lugares onde já estão sendo abandonadas, para trazê-las para cá como se pudessem ser panaceias.
As regras do Enem estão cada vez mais rígidas (como tudo o que é administrado por burocracias). Agora, além de esse exame se estar tornando obrigatório, ainda querem colocar mais umas bolinhas de ferro nas tiras da chibata, inventando multas para quem se inscrever e não aparecer no dia da prova! Da cabeça de quem sairia uma coisa dessas?
Para quem ainda não se deu conta, uma ditadura se baseia no autoritarismo burocrático. Viver num sistema em que sempre os outros obrigam os uns a fazer o que os eles querem explica um pouco do que é o "tudo isso que está aí" contra o que as pessoas protestam.
31 de outubro de 2013
Alexandre Barros é cientista político (PH.D. pela University of Chicago) e consultor empresarial em análise de risco político.
O Estado de S.Paulo
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