Dilma: "Eike é o nosso padrão, a nossa expectativa e sobretudo o orgulho do Brasil quando se trata de um empresário do setor privado."
História da derrocada
A maior hecatombe empresarial do país não é uma boa notícia para ninguém, mas seria bom aprender com o desastre. O empresário Eike Batista conduziu mal seus negócios por ter se alavancado demais e fomentado especulação que inflou de forma artificial o valor de mercado de projetos que não haviam maturado. O governo e o mercado erraram por terem acreditado no delírio.
Em 2010, o valor de mercado da OGX era R$ 74 bilhões. Três anos depois, está em situação pré-falimentar. Desde 2005, o BNDES aprovou R$ 9,1 bilhões em operações com as empresas do grupo EBX e em abril deste ano — quando elas já estavam em apuros e o valor da OGX havia caído para R$ 4 bi — foram aprovadas novas operações no valor de R$ 935 milhões para a MMX. Outros bancos estatais, como a Caixa, também emprestaram para o grupo quando já se sabia das dificuldades.
O BNDES usa como escudo o sigilo bancário para não prestar informações. Ofende a lógica quando diz que não perdeu nenhum tostão com o grupo. Ora, se o valor das ações desmoronou, se os empréstimos não foram pagos a tempo, é impossível o banco não ter perdido. O truque é, na época do vencimento, rolar o empréstimo. Uma das rolagens foi no último dia 15: R$ 518 milhões para a OSX. É assim que um credor não registra a perda com um grupo que desmorona: dá mais prazo.
Houve um tempo em que o governo dizia que queria mais "eikes" no país, e Eike dizia que o BNDES era o melhor banco do mundo. Em abril de 2012, em solenidade de início da extração de petróleo pela OGX, a presidente Dilma afirmou: "Eike é o nosso padrão, a nossa expectativa e sobretudo o orgulho do Brasil quando se trata de um empresário do setor privado."
Hoje, é fácil ver os erros do empresário. Mas antes também era. Ele sempre exagerou sobre as potencialidades das empresas e, assim, valorizava as ações. Antes que o empreendimento maturasse, criava outra, dependente do sucesso da primeira. Foi construindo um castelo de cartas. Ele se alavancou com dinheiro dos bancos públicos, privados, de investidores. Sempre com dinheiro alheio. Alguns tubarões fugiram a tempo, investidores menores micaram e o governo tenta encobrir as perdas. Mesmo quando os sinais da falta de consistência dos seus negócios eram visíveis, o governo incentivou a Petrobras a fazer parceria com o grupo X. No ano passado, a presidente Dilma declarou, ao lado do empresário, que "ambas podem ganhar muito com uma parceria entre elas". A ideia de Eike era de que Petrobras e OGX juntas criassem uma terceira empresa.
Quando as câmeras foram desligadas, ao fim de uma tensa entrevista que fiz com ele em 2008, em que perguntei sobre várias contradições dos seus negócios, inclusive ambientais, Eike reclamou de eu ter sido muito dura. Eu disse que não tinha perguntado tudo, por falta de tempo, e falei da proposta que ele havia feito de vender energia para o governo por um preço e recomprar por um terço do valor. A proposta fora recusada pela Aneel. Ele me disse: "todos fazem, por que não posso fazer?" Respondi que ele, supostamente, era para ser a renovação do capitalismo brasileiro.
Ele nunca foi o novo, sempre se cercou do Estado para se alavancar através de empréstimos ou tratamento diferenciado. As áreas nas quais entrou eram preponderantemente da velha economia. Mas tudo isso seria mais do mesmo. O principal erro foi declarar ter o que não tinha, para assim iludir o investidor.
Em maio de 2012, fez declaração de comercialidade de Tubarão Azul. Previu produção de 50 mil/dia e disse que poderia extrair até 150 milhões de barris. Depois, disse: "meus projetos são à prova de idiotas". Em julho passado, Eike admitiu não haver "tecnologia capaz" de extrair petróleo desse campo. Depois, fechou Tubarão Tigre, Tubarão Gato e Tubarão Areia. Ao garantir que tinha o que não poderia entregar, Eike enganou credores e investidores. Essa é a história da derrocada.
31 de outubro de 2013
Miriam Leitão: O Globo
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