O mês de janeiro avança, sem perspectiva de se resolver em breve toda a infeliz polêmica provocada pelo decreto do presidente Michel Temer concedendo indulto natalino a significativa parcela da população carcerária do país.
Em si mesmo, o indulto consiste em tradicional iniciativa do Executivo, inspirada por razões humanitárias e pelo princípio —defendido por esta Folha— de que condenados por crimes de menor gravidade, tendo cumprido já parte da pena, não têm por que continuar trancafiados se não oferecem ameaça à segurança física dos cidadãos.
Se o decreto de Temer acompanhou tal lógica, é contudo inegável a sensação de que houve inabilidade e alguma dose de exagero nos critérios adotados desta vez.
Até meados da década passada, o benefício se destinava apenas aos que tinham sido sentenciados a menos de seis anos de prisão e já tivessem cumprido um terço da pena. Em 2010, o limite prolongou-se para 12 anos de prisão.
Nova liberalidade instituiu-se em 2016, quando se aceitou que com um quarto da pena cumprida o preso já seria agraciado.
Em dezembro, Temer diminuiu esse requisito para somente um quinto da pena —e estendeu o indulto para qualquer preso, mesmo os que tivessem recebido sentença superior a 12 anos.
Numa espécie de humanitarismo da conta bancária, também concedeu a benesse para penas de multa, difícil de justificar nos casos de crimes de colarinho branco.
A Procuradoria-Geral da República se insurgiu contra as disposições, contestando-as no Supremo Tribunal Federal. A presidente da corte, Cármen Lúcia, suspendeu artigos do decreto, devendo o caso ainda passar pelo plenário.
Surge então o segundo capítulo de uma desnorteante e indesejável novela jurídica. A PGR invoca argumentos fora de propósito para anular a iniciativa de Temer.
Classifica como intervenção inconstitucional nas atribuições do Judiciário e do Legislativo um mecanismo que, antes do atual presidente, sempre se aplicou sem polêmica —e que consta das prerrogativas do Executivo na Carta de 1988.
É que o clima mudou. Não sem motivos, a atual administração está sob suspeita de querer salvar políticos com problemas na Justiça. Em amplos setores da opinião pública, qualquer absolvição pode parecer tolerância com desmandos.
O indulto de Temer não se volta a réus da Lava Jato, mas a simples menção desse caso vai se tornando uma espécie de fetiche. O STF irá julgar, mais uma vez, com os olhos para uma plateia sedenta de condenações, num ambiente em que a balança da Justiça parece a ponto de perder seu prumo.
13 de janeiro de 2018
Editorial Folha de SP
Em si mesmo, o indulto consiste em tradicional iniciativa do Executivo, inspirada por razões humanitárias e pelo princípio —defendido por esta Folha— de que condenados por crimes de menor gravidade, tendo cumprido já parte da pena, não têm por que continuar trancafiados se não oferecem ameaça à segurança física dos cidadãos.
Se o decreto de Temer acompanhou tal lógica, é contudo inegável a sensação de que houve inabilidade e alguma dose de exagero nos critérios adotados desta vez.
Até meados da década passada, o benefício se destinava apenas aos que tinham sido sentenciados a menos de seis anos de prisão e já tivessem cumprido um terço da pena. Em 2010, o limite prolongou-se para 12 anos de prisão.
Nova liberalidade instituiu-se em 2016, quando se aceitou que com um quarto da pena cumprida o preso já seria agraciado.
Em dezembro, Temer diminuiu esse requisito para somente um quinto da pena —e estendeu o indulto para qualquer preso, mesmo os que tivessem recebido sentença superior a 12 anos.
Numa espécie de humanitarismo da conta bancária, também concedeu a benesse para penas de multa, difícil de justificar nos casos de crimes de colarinho branco.
A Procuradoria-Geral da República se insurgiu contra as disposições, contestando-as no Supremo Tribunal Federal. A presidente da corte, Cármen Lúcia, suspendeu artigos do decreto, devendo o caso ainda passar pelo plenário.
Surge então o segundo capítulo de uma desnorteante e indesejável novela jurídica. A PGR invoca argumentos fora de propósito para anular a iniciativa de Temer.
Classifica como intervenção inconstitucional nas atribuições do Judiciário e do Legislativo um mecanismo que, antes do atual presidente, sempre se aplicou sem polêmica —e que consta das prerrogativas do Executivo na Carta de 1988.
É que o clima mudou. Não sem motivos, a atual administração está sob suspeita de querer salvar políticos com problemas na Justiça. Em amplos setores da opinião pública, qualquer absolvição pode parecer tolerância com desmandos.
O indulto de Temer não se volta a réus da Lava Jato, mas a simples menção desse caso vai se tornando uma espécie de fetiche. O STF irá julgar, mais uma vez, com os olhos para uma plateia sedenta de condenações, num ambiente em que a balança da Justiça parece a ponto de perder seu prumo.
13 de janeiro de 2018
Editorial Folha de SP
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