"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sábado, 13 de janeiro de 2018

EVOLUÇÃO DOS VOTOS BRANCOS E NULOS EXIBE A DESILUSÃO COM A POLÍTICA BRASILEIRA

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Charge do Nani (nanihumor.com)
Três grandes temas dominaram as análises sobre os resultados das últimas eleições municipais no Brasil: o fraco desempenho do PT, o sucesso de candidatos que se apresentaram como não-políticos (Dória, Kalil etc.) e o elevado índice de abstenção nas principais cidades brasileiras. No calor dos resultados das urnas, esses três movimentos foram imediatamente relacionados com a descrença da população com o modo tradicional de fazer política, ainda mais diante das revelações da Operação Lava-Jato. Poucos dias depois, o então presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Gilmar Mendes, e alguns analistas começaram a desconstruir a tese de que a elevada abstenção seria um protesto “contra tudo o que está aí”.
Em artigo na Folha, o cientista político Fernando Limongi disse  que a causa para a sensação de que muita gente ter deixado de comparecer às urnas, segundo o pesquisador, estava relacionada a defasagens no cadastro eleitoral do TSE, que não contabilizava eleitores já falecidos ou que migraram para cidades distantes. A partir daí a discussão morreu, e aparentemente ninguém falou mais sobre isso.
NOS CÁLCULOS – Para dar uma dimensão mais exata desse fenômeno, calculei as taxas de votos em branco e nulos sobre o total dos eleitores que compareceram à votação (e não sobre o total do eleitorado, como normalmente se faz) nas últimas eleições brasileiras.
Na era da urna eletrônica, quem aparece para votar e quer protestar contra a “farsa das eleições” tem duas opções: ou aperta o botão “branco” ou digita um  número que não foi atribuído a nenhum candidato ou partido e depois “confirma”.
Há uma nítida tendência de crescimento dos índices de votos brancos e nulos a cada eleição no Brasil, atingindo todos os cargos em disputa. Esses percentuais são mais baixos para o cargo de Presidente da República – a disputa com maior repercussão na mídia e que polariza nosso posicionamento político –, mas já atingem níveis preocupantes nos outros cargos, como nas eleições para senador, em que quase um quarto de todos os que foram às urnas votaram em branco ou anularam o voto em 2014.
ERRO DO ELEITOR?  –  Há suspeitas de que tanto o voto em branco quanto o voto nulo estejam associados não ao protesto, mas a um erro do eleitor. Isso pode acontecer tanto com o cidadão que teve “um branco” e esqueceu o número do candidato, quanto com aquele que se enrolou todo com a urna e apertou qualquer coisa para se livrar logo daquela obrigação. Infelizmente, isso é mais comum do que se imagina no Brasil, dado o grande contingente da população com baixa escolaridade ou pessoas idosas com pouca habilidade em lidar com sistemas eletrônicos.
É importante lembrar que esses erros na votação, que podem na invalidação dos votos, são potencializados pela realização de várias eleições simultâneas no Brasil. Para você ter uma ideia, em 2018 cada eleitor vai votar 6 vezes de uma só vez: presidente, governador, dois senadores, deputado federal e deputado estadual/distrital. Nessas condições, não é impossível alguém se perder em meio a tantos nomes e números e acabar teclando “branco” ou confirmando um número errado.
ESCOLARIDADE – Para tentar elucidar se os votos brancos e nulos estão mais relacionados com erros do eleitor no momento da votação do que com algum tipo de protesto contra a política brasileira fiz um exercício simples. Minha hipótese é que nos locais em que há mais pessoas com baixa escolaridade é de se esperar que o percentual de votos inválidos seja maior. Ou seja, pessoas com pouca instrução teriam mais problemas com a urna, o que levaria a mais votos nulos e em branco.
Para isso, coletei os dados das votações de todas as zonas eleitorais brasileiras em todos os municípios de 2002 em diante – nesse período a votação já havia se tornado 100% eletrônica em todo o território nacional. Calculei então o percentual de votos brancos e nulos para cada cargo em disputa e correlacionei com o índice de baixa escolaridade dos eleitores naquela zona eleitoral. Como baixa escolaridade eu considerei o percentual de eleitores analfabetos ou com no máximo ensino fundamental incompleto.
Os gráficos mostram um fato interessantíssimo: para todos os cargos, a reta que indica a correlação entre os percentuais de baixa escolaridade e de votos brancos e nulos nas zonas eleitorais brasileiras vai de positivamente inclinada para negativamente inclinada do início da década de 2000 até as eleições de 2014 e 2016.
É PROTESTO, MESMO – Traduzindo para o português, isso significa que enquanto no passado zonas eleitorais com baixa escolaridade produziam mais votos em branco e nulos (o que comprova a tese do erro no uso da urna eletrônica), nas últimas eleições essa relação é negativa: os votos brancos e nulos aparecem com mais frequência nas regiões com escolaridade mais alta. Além disso, a inclinação da reta torna-se mais intensa, assim como os coeficientes de correlação – indicando que esse fenômeno tem se intensificado nos últimos anos.
Como essa tendência é observada para todos os cargos, acredito que temos elementos suficientes para desconfiar que esse movimento de crescimento de votos brancos e nulos não tem a ver com erros na votação, mas sim a um comportamento do eleitor, principalmente nas regiões de mais alta escolaridade (e, extrapolando, mais alta renda).
Essa tendência se adequa à narrativa de que, mesmo antes das manifestações de junho de 2013, a forma tradicional de fazer política vem sendo contestada nos principais núcleos urbanos brasileiros. O crescimento dos votos nulos e brancos seria, assim, uma medida do descompasso de partidos e candidatos em levarem em conta a pauta de ambições da sociedade, que a meu ver se tornou mais exigente de 2013 pra cá.

13 de janeiro de 2018
Bruno Carazza
Folha

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