É pura “fake news” a teoria desenvolvida pelos hidrófobos do lulopetismo, acompanhados por alguns supostos intelectuais estrangeiros, de que a condenação de Lula foi uma conspiração das elite para afastar da eleição o campeão dos pobres. Por falar em intelectuais estrangeiros, é correta a classificação de “idiotas úteis” utilizada pelo sempre notável Matias Spektor na sua coluna da quinta-feira (25).
Muitos deles, a maioria aliás, não têm audiência nas suas próprias terras e, então, se dedicam a vender suas teses para a bugrada da América Latina, parte da qual continua comprando qualquer miçanga que venha de fora.
ESQUERDA IMBECIALIZADA – Acabam constituindo uma seita de adoradores de qualquer líder que se disponha a ouvi-los. Há alguns de grande prestígio que não tem o menor pejo em cair em profunda contradição, desde que possam continuar a ser aplaudidos por essa esquerda imbecilizada.
Penso, por exemplo, em Noam Chomsky, que assinou o manifesto dos intelectuais em favor de Lula, apesar de ter declarado o seguinte, não muito antes, em entrevista para “Democracy Now”:
“É simplesmente penoso ver que o Partido dos Trabalhadores no Brasil, que de fato levou adiante medidas significativas, [ver] que eles não puderam manter as mãos longe dos cofres. Eles se juntaram a uma elite extremamente corrupta, que está roubando o tempo todo, e tomaram parte nisso também, desacreditando-se. Houve êxitos reais e acho que uma porção deles será sustentável. Mas há uma regressão. Eles terão que erguer-se de novo com, espero, forças mais honestas que, antes de tudo, reconheçam a necessidade de desenvolver a economia de uma forma que tenha uma fundação sólida, não apenas baseada na exportação de matérias-primas, e, depois, honesta o suficiente para conduzir programas decentes sem roubar o público ao mesmo tempo”.
CONTRADIÇÃO – Como é possível dizer que o PT meteu a mão nos cofres, que roubou o público e, mesmo assim, defender que o líder supremo dessa turma seja inocentado?
Note-se que a tese de Chomsky coincide, em linhas gerais, com o raciocínio dos juízes de Porto Alegre no sentido de que Lula não podia deixar de saber que o pessoal que ele designava para a Petrobras “metia a mão nos cofres” — bem como seus aliados políticos.
Contradições de um esquerdista à parte, repito o que já escrevi não faz muito: se eu fosse rico, torceria para que Luiz Inácio Lula da Silva pudesse se candidatar. E votaria nele. Afinal, os anos Lula/Dilma foram extraordinariamente proveitosos para os 10% mais ricos da população, conforme ficou demonstrado mais uma vez em estudo dos economistas ligados ao badalado Thomas Piketty, referência no estudo da desigualdade.
DESIGUALDADE – A fatia da riqueza apropriada pelos que estão no topo da pirâmide social é de 55% no Brasil, superior, por exemplo, a que cabe aos ricos americanos que não vai além de 47%, mesmo com o crescimento da desigualdade por lá.
A porcentagem que cabe aos ricos já seria obscena por si só, mas torna-se ainda mais escandalosa quando se verifica que, de 2001 a 2015 (período quase todo sob Lula/Dilma), ela subiu: era de 54% e passou a 55%.
O que não se pode dizer é que Lula mentiu: mais de uma vez, ele disse, durante seu governo e até depois, que os empresários jamais haviam ganhado tanto dinheiro como em seu reinado.
PAI DOS POBRES? – Natural: Lula, vendido como “pai dos pobres”, não tocou em um só fio de cabelo das elites brasileiras. Consequência inescapável: segundo a Síntese de Indicadores Sociais que o IBGE acaba de divulgar, a renda do 1% dos domicílios mais ricos é 38,4 vezes superior à dos lares dos 50% mais pobres.
Para que os ricos conspirariam, então, contra um político que lhes foi tão proveitoso e aos quais se aliou incondicionalmente? Segundo Antonio Palocci, um dos principais ministros de Lula e de Dilma, o ex-presidente tinha um “pacto de sangue” com a Odebrecht.
É fato que a situação dos 50% mais pobres melhorou no período Lula: sua fatia na renda nacional subiu de minguados 11% para magros 12%. Mas essa leve melhoria não se deu às custas dos mais ricos, que continuaram aumentando seu pedaço, como já se viu (de 54% para 55%). Quem perdeu foi a classe média: passou de 34% para 32%.
REALIDADE OBSCENA – Quatorze anos de governos petistas não foram capazes de mudar substancialmente uma realidade obscena: no sítio do Ministério de Desenvolvimento Social ainda no último ano completo do governo Dilma (2015), estavam cadastradas 52 milhões de pessoas com renda de até R$ 154. Como o salário mínimo era de R$ 788, tem-se que a porcentagem de miseráveis legada por Lula/Dilma é avassaladora. Se se incluirem os pobres —e não apenas os miseráveis— o total chega a 73 milhões.
Os ricos não deveriam se preocupar nem com a nova retórica de Lula, como condenado, que ataca as elites e a mídia: é só retórica vazia. Lula não tem compromisso com nada nem com ninguém, a não ser com a sua própria sobrevivência política.
“BRAVATAS” – Não foi ele que rotulou de “bravatas” tudo o que ele e seu partido pregavam, antes de chegar ao poder federal? Despreza o partido, que, no entanto, tem que continuar endeusando-o por falta de qualquer outro candidato minimamente viável.
Não foi ele que chutou para fora do governo seus dois ministros mais próximos (Antonio Palocci e José Dirceu), à primeira denúncia, para evitar que chegassem ao próprio Lula?
Lula sabe que sua sobrevivência, se voltasse ao poder, dependeria de novo de “pactos de sangue” com as Odebrecht da vida, como fez nos seus dois mandatos. Não duvido nada, aliás, que convide algum Henrique Meirelles da vida para ser seu ministro da Fazenda, como fez ao assumir em 2003 (Meirelles, como presidente do Banco Central, foi o ministro da Fazenda “de facto” de toda a era Lula).
29 de janeiro de 2018
Clóvis Rossi
Folha
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