Coordenadora da Comissão Permanente de Assessoramento – Leniência e Colaboração Premiada, criada pelo Ministério Público Federal (MPF) para auxiliar na celebração de acordos, a procuradora da República Samantha Chantal Dobrowolski defende a elaboração de um manual de orientação para padronizar o uso do instituto. Em entrevista ao Estado, a procuradora afirma que essa medida evitaria a sensação de descompasso que existe entre procuradores de primeiro grau e das instâncias superiores e falhas como as que levaram ao pedido de rescisão da delação do Grupo J&F pelo ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot – hoje Raquel Dodge toma posse à frente do MPF.
É necessária alguma padronização da delação premiada?É importante padronizar um roteiro de atuação das posturas e formalidades a serem seguidas, de uma certa técnica de procedimento a ser seguida. O conteúdo da delação é difícil padronizar porque cada caso é um caso e as balizas mínimas já estão na lei.
Pode dar exemplos de procedimentos a serem padronizados?
Isso não posso minudenciar. Em Curitiba (na Lava Jato), eles têm alguns tipos de cláusulas adotadas e outras que vêm surgindo da própria prática. É preciso estabelecer garantias, fatores de risco a observar ou, se houver algum tipo de violação do acordo, se pode haver uma repactuação. Cláusulas que definam se, em caso de omissão de informações de forma indevida ou involuntária, o colaborador pode sofrer alguma penalidade adicional. Existem alguns tipos de cláusulas que a gente está começando a pensar e devem constar dos acordos. Seria um roteiro mínimo e um passo a passo do procedimento: quantas reuniões fazer, quem deve estar nas reuniões, como se portar minimamente. Às vezes, a informalidade pode ser a tônica e é melhor ter tudo registrado, gravar e filmar pode ser necessário e se a colaboração não vier a ser fechada isso não pode ser usado.
Isso não posso minudenciar. Em Curitiba (na Lava Jato), eles têm alguns tipos de cláusulas adotadas e outras que vêm surgindo da própria prática. É preciso estabelecer garantias, fatores de risco a observar ou, se houver algum tipo de violação do acordo, se pode haver uma repactuação. Cláusulas que definam se, em caso de omissão de informações de forma indevida ou involuntária, o colaborador pode sofrer alguma penalidade adicional. Existem alguns tipos de cláusulas que a gente está começando a pensar e devem constar dos acordos. Seria um roteiro mínimo e um passo a passo do procedimento: quantas reuniões fazer, quem deve estar nas reuniões, como se portar minimamente. Às vezes, a informalidade pode ser a tônica e é melhor ter tudo registrado, gravar e filmar pode ser necessário e se a colaboração não vier a ser fechada isso não pode ser usado.
Uma das críticas mais frequentes é sobre denúncias oferecidas basicamente com base em delações, com poucas provas.Pela lei, a delação é uma técnica especial de investigação com o objetivo de desmantelar organizações criminosas e descobrir crimes dito invisíveis. A delação em si não é prova. É uma técnica de investigação que fornece provas. Para o momento da denúncia pode ser suficiente valer-se só do apurado a partir da delação com uma mínima checagem. Não é o ideal nem o mais prudente. Mas para processar e condenar a delação não é suficiente. Tem de ter provas.
Qual sua opinião sobre o uso da delação premiada pela Polícia Federal?No nosso sistema, quem tem a titularidade exclusiva da ação penal e, portanto, da não ação, que é o que a delação gera, é o Ministério Público. Isso foi uma conquista da Constituição de 1988. A polícia pode eventualmente participar em conjunto, mas isoladamente não vejo como, pois não haveria segurança jurídica. Qualquer pessoa mais cautelosa não assinaria com a Polícia Federal porque mais à frente o Ministério Público poderia ter outra visão. Sei que isso é antipático para a polícia, mas o sistema é assim, existe essa divisão de funções.
A delação da J&F afeta de alguma forma a credibilidade do instituto jurídico?É uma pergunta importante, acho que não dá para fugir, mas não sei se é possível dar uma resposta madura hoje. É um caso paradigmático e devemos tentar aprender com os casos difíceis no sentido de que eles mostram a fragilidade que qualquer instituto processual tem. Por isso, requer um esforço procedimental, daí eventualmente essas orientações internas para que o Estado não venha a se encontrar em uma situação em que tenha sido usado, tenha sido parcialmente ludibriado ou induzido a qualquer tipo de conclusão. É um caso importante porque gera reflexão. Mas ele não põe em xeque a credibilidade do instituto, porque em qualquer acordo desse tipo está implícita a possibilidade de uma cartada, seja de qual lado ela tenha partido. É claro que isso choca, choca internamente, causa um desconforto a todos. Mas é preciso entender que há outras formas de trabalho que expõem os agentes a esse tipo de situação. A delação não é a única. Mas como vivemos um momento de consenso ou soluções consensuais e alguns desses mecanismos não estão totalmente configurados, é uma advertência importante. Porque nem sempre há a garantia de que todo mundo age de boa-fé. Nesse ponto, acho que é didático e tem de ser aproveitado sob essa ótica.
19 de setembro de 2017
Ricardo Galhardo
Estadão
Estadão
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