É a crise. As famílias estão se desfazendo de seus tesouros. Sei disso pela quantidade de catálogos de leilões que recebo pela internet – e só porque, há anos, disputei contra o poderoso Banco Santos um saquinho de confete do Carnaval de 1919, e levei. Alguém disposto a enfrentar o Banco Santos num leilão devia ser louco, e a notícia se espalhou entre os leiloeiros. Desde então, sou abarrotado de ofertas. Nunca mais arrematei nada importante, mas eles continuam na esperança de que eu faça lances mirabolantes por seus lotes.
Mas de que me interessa uma espada do Exército brasileiro com o brasão da República em baixo relevo, certamente virgem de batalha? Ou uma ânfora em cerâmica de Alcobaça, uma luminária policromada em forma de coruja ou uma estatueta de cachorro moldada em terracota do vale do Jequitinhonha? E há objetos que, mesmo analisando a foto, não consigo descobrir para que servem, como um jogo de cossinetes para rosqueadora ou um voltímetro a manivela com bocal para teste.
Não tenho muito uso para uma caneca com a inscrição “Lembrança de Cambuquira”, uma medalha comemorativa do “Cinquentenário da Academia Pernambucana de Letras, 1901-1951” ou um exemplar autografado do livro “Juca Mulato”, de Menotti del Picchia, com furos de inseto, alguns ainda contendo o inseto. Dispensei também um conjunto para chimarrão composto de cuia e bomba, uma coleção de 25 números da revista “Bundas” e o troféu de vice conquistado pelo Brasil no Campeonato Mundial de Pesca do Atum, na Nova Escócia, em 1953. Cheguei a me interessar por um cachimbo que pertenceu à existencialista Juliette Gréco, com marcas de seus dentes autenticadas por seu dentista, mas me contive a tempo.
Só não sei se resistirei se me aparecer uma bola Superball, daquelas marrons, de gomos costurados, dos anos 50.
05 de agosto de 2017
Ruy Castro
Folha
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