A justificativa oficial para o recente aumento de impostos e cortes no Orçamento é garantir o cumprimento da meta fiscal do ano, de deficit de R$ 139 bilhões. O argumento poderia ser melhor aceito se não fossem os repasses bilionários feitos recentemente pelo presidente da República, Michel Temer, aos deputados federais. Ao abrir os cofres, o governo deu tratamento especial aos integrantes da Comissão de Constituição, Justiça (CCJ) e Cidadania, de quem dependia o primeiro passo para o arquivamento da denúncia contra o presidente por corrupção passiva, enviada à Câmara no fim de junho pela Procuradoria-Geral da República (PGR).
Para garantir o apoio dos deputados, Temer não hesitou em liberar R$ 3,4 bilhões em emendas parlamentares apenas entre junho e julho, valor que equivale a 97% das emendas repassadas ao longo do ano. O governo desembolsou R$ 1,6 bilhão apenas na semana anterior à votação na CCJ, entre 5 e 12 de julho.
NOVO RECORDE – Antes mesmo de terminar, julho já bateu o recorde mensal de emendas empenhadas, com R$ 1,83 bilhão. No mesmo mês de 2016, foram liberados R$ 228,5 milhões, e, em julho de 2015, R$ 2 milhões. Apenas na sexta-feira anterior à votação, deputados que votaram a favor de Temer na CCJ receberam aportes de até R$ 7,9 milhões. Os dados motivaram a Rede e o PSol a pedirem abertura de inquérito no Ministério Público Federal (MPF).
Por meio de nota do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, o governo afirmou que a liberação de recursos para municípios é um procedimento “absolutamente normal”. Segundo o ministério, o uso das emendas é “previsto na Constituição e na legislação orçamentária”. Embora não se contraponha ao argumento, o consultor Antonio Queiroz, diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), questiona o fato de um governo sem caixa liberar valores bilionários para atender a pressões da base. “Emendas estão autorizadas no Orçamento, como sempre estiveram, mas foram liberadas agora por conveniência política. O governo contingenciou outros recursos para arcar com isso, em troca de votos.”
MAIS IMPOSTOS – O cientista político Everaldo Moraes lembra que, além da liberação desenfreada de emendas, a situação econômica emergencial que fez com que o governo cortasse R$ 5,9 bilhões do orçamento não o impediu de manter os aumentos nos salários dos servidores públicos federais. Esse agrado custará R$ 100 bilhões aos cofres públicos entre 2016 e 2019. “O governo é incapaz de bater na classe média, no funcionalismo, então dilui a conta no combustível e em outros tributos que penalizam todo mundo”, comenta.
Além da liberação repentina de emendas, especialistas lembram que, ao assumir interinamente a Presidência, Temer prometeu moralizar o país. Entre os anúncios de corte na própria carne estava a redução pela metade do número de ministérios. Entretanto, Brasília abriga hoje 28 pastas, apenas quatro a menos que na época de Dilma Rousseff.
GASTANÇA – Logo após o impeachment, o discurso mudou. Falava-se na “possibilidade real” de cortar 10 pastas em vez de 16. “Vamos manter 22 pastas funcionando”, afirmou Eliseu Padilha à imprensa na época. Saíram sete, mas três voltaram, entre elas, o Ministério da Cultura.
De acordo com o cientista político Cláudio Perin, a gastança desmedida em tempos de crise na economia dificulta o entrosamento de Temer com a sociedade. “O presidente entrou como substituto, não foi unanimidade no país, prometeu um monte de coisa que não cumpriu. Se o brasileiro tivesse mais memória e apreço ao dinheiro público, estaria fazendo cobranças ao esse governo.”
23 de julho de 2017
Alessandra Azevedo e Bernardo BittarCorreio Braziliense
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