Posso desagradar muita gente, mas tenho a convicção de que, numa sociedade de falso-selves, como a nossa, a saída está em dizer a verdade, mesmo que doa.
O falso-self, no singular, ou falso-selves, no plural, dizem respeito a uma vida de aparências e fingimento, ocultação e mentiras, decorrentes de traumas relacionados ao rigor em excesso ou ao abandono na primeira infância, como nos ensina o inglês Donald Woods Winnicott.
A primeira impressão que tenho, após anos de experiência no jornalismo e em delegacias, é que todos, dos mais simples aos mais graduados, temem a verdade.
Não se pode julgar, por exemplo, a escolha errada feita por uma mulher, aconselhando-a a largar de imediato o homem violento. Ao Estado cabe a neutralidade, agindo no efeito sem mexer na causa, pois só assim a roda gira e todos continuam se alimentando da miséria alheia.
O Estado se intromete o tempo inteiro na vida dos indivíduos, mas em questões sensíveis faz cara de pena e não intervém decisivamente, prendendo o agressor contumaz e impedindo-o de se aproximar da mulher e dos filhos, independentemente da vontade da agredida. Muitas mortes poderiam ser evitadas.
O sádico jura na frente da juíza que vai se regenerar – e os assistentes sociais acreditam no coitadinho -, até que é feita a reconciliação e certo dia o criminoso enfia a cabeça da mãe de família no forno do fogão. E o problema só aumenta, porque, a partir daí, os filhos ficam sem pai nem mãe.
Com as honrosas exceções dos padrastos que assumem os filhos da companheira após uma aproximação e enlace normais, o que se vê são casos e mais casos de abusos sexuais cometidos por homens que chegam nos lares sem mais nem menos, da noite para o dia, do bar direto para a cama, e alguns fazem cara de nojo quando alguém, como eu, denuncia essa catástrofe.
Andei contando os fatos mostrados no programa de José Luiz Datena, na Rede Band, de São Paulo, e constatei que dois a três casos de abuso sexual infantil são apresentados diariamente. As estatísticas mostram que, no Distrito Federal, 70% dos abusos ocorrem dentro de casa.
O psiquiatra Theodore Dalrymple, cujo nome verdadeiro é Anthony Daniels, autor de A vida na sarjeta, defronta-se com a mesma situação nos subúrbios ingleses. Ele diz que os mesmos homens cujas dores crônicas nas costas lhes impedem, para sempre, de arranjar um emprego, recebendo aposentadorias por invalidez, não perdem uma briga de bar.
“Como no Brasil, alguns poucos moradores se refugiam nas igrejas – os “crentes”, tolerados pelos traficantes e bandidos de toda cepa, desde que fiquem na sua. A maior parte das crianças não tem pai; os padrastos se substituem com rapidez e normalmente batem nas mães. Muitas das pacientes são vítimas seriais de agressão doméstica. São raríssimos os casos em que não era evidente que o sujeito era violento antes mesmo do relacionamento”, assinala.
Mesmo assim, tal comportamento é tolerado por elas, que repetidamente pedem para que ele não faça nenhum tipo de denúncia, porque afinal o agressor agora vai mudar…
“A verdade é que a maioria (embora nem todas) das mulheres espancadas contribuiu para essa situação infeliz pela maneira como resolveram viver”, lamenta o psiquiatra e escritor.
Não é apenas o machismo que oprime as mulheres, são as crianças negligenciadas que, mais tarde, viram opressores e oprimidos, porque, sem lastros que as sustentem, crescem inseguras, fingidas e violentas. E nessa causa, que custa caro e não dá votos nem oportunidades de roubar, o Estado não mete a colher.
13 de junho de 2017
Miguel Lucena é delegado da Polícia Civil do DF e jornalista.
O falso-self, no singular, ou falso-selves, no plural, dizem respeito a uma vida de aparências e fingimento, ocultação e mentiras, decorrentes de traumas relacionados ao rigor em excesso ou ao abandono na primeira infância, como nos ensina o inglês Donald Woods Winnicott.
A primeira impressão que tenho, após anos de experiência no jornalismo e em delegacias, é que todos, dos mais simples aos mais graduados, temem a verdade.
Não se pode julgar, por exemplo, a escolha errada feita por uma mulher, aconselhando-a a largar de imediato o homem violento. Ao Estado cabe a neutralidade, agindo no efeito sem mexer na causa, pois só assim a roda gira e todos continuam se alimentando da miséria alheia.
O Estado se intromete o tempo inteiro na vida dos indivíduos, mas em questões sensíveis faz cara de pena e não intervém decisivamente, prendendo o agressor contumaz e impedindo-o de se aproximar da mulher e dos filhos, independentemente da vontade da agredida. Muitas mortes poderiam ser evitadas.
O sádico jura na frente da juíza que vai se regenerar – e os assistentes sociais acreditam no coitadinho -, até que é feita a reconciliação e certo dia o criminoso enfia a cabeça da mãe de família no forno do fogão. E o problema só aumenta, porque, a partir daí, os filhos ficam sem pai nem mãe.
Com as honrosas exceções dos padrastos que assumem os filhos da companheira após uma aproximação e enlace normais, o que se vê são casos e mais casos de abusos sexuais cometidos por homens que chegam nos lares sem mais nem menos, da noite para o dia, do bar direto para a cama, e alguns fazem cara de nojo quando alguém, como eu, denuncia essa catástrofe.
Andei contando os fatos mostrados no programa de José Luiz Datena, na Rede Band, de São Paulo, e constatei que dois a três casos de abuso sexual infantil são apresentados diariamente. As estatísticas mostram que, no Distrito Federal, 70% dos abusos ocorrem dentro de casa.
O psiquiatra Theodore Dalrymple, cujo nome verdadeiro é Anthony Daniels, autor de A vida na sarjeta, defronta-se com a mesma situação nos subúrbios ingleses. Ele diz que os mesmos homens cujas dores crônicas nas costas lhes impedem, para sempre, de arranjar um emprego, recebendo aposentadorias por invalidez, não perdem uma briga de bar.
“Como no Brasil, alguns poucos moradores se refugiam nas igrejas – os “crentes”, tolerados pelos traficantes e bandidos de toda cepa, desde que fiquem na sua. A maior parte das crianças não tem pai; os padrastos se substituem com rapidez e normalmente batem nas mães. Muitas das pacientes são vítimas seriais de agressão doméstica. São raríssimos os casos em que não era evidente que o sujeito era violento antes mesmo do relacionamento”, assinala.
Mesmo assim, tal comportamento é tolerado por elas, que repetidamente pedem para que ele não faça nenhum tipo de denúncia, porque afinal o agressor agora vai mudar…
“A verdade é que a maioria (embora nem todas) das mulheres espancadas contribuiu para essa situação infeliz pela maneira como resolveram viver”, lamenta o psiquiatra e escritor.
Não é apenas o machismo que oprime as mulheres, são as crianças negligenciadas que, mais tarde, viram opressores e oprimidos, porque, sem lastros que as sustentem, crescem inseguras, fingidas e violentas. E nessa causa, que custa caro e não dá votos nem oportunidades de roubar, o Estado não mete a colher.
13 de junho de 2017
Miguel Lucena é delegado da Polícia Civil do DF e jornalista.
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