Favorecimento ao tráfico de drogas e de armas, financiamento do terrorismo e lavagem de dinheiro oriundo de pirataria e outras atividades criminosas são práticas escandalosas, mas muito mais frequentes do que se imagina, nas grandes instituições financeiras e fundos de investimento internacionais. É o que afirma o especialista em crimes financeiros Stephen Platt em “Capitalismo criminoso – Como as instituições financeiras facilitam o crime” (Cultrix, 304 pgs. R$ 52). Segundo Platt, o sistema inteiro está doente – e, infelizmente, já está esquecendo as lições da crise de 2008, que custou trilhões de dólares para ser superada.
A facilitação ao crime é o pior sintoma dessa doença, mas Platt também investiga em detalhe a tendência dos grandes bancos a assumir riscos excessivos, que, em função da interconectividade e interdependência cada vez maior entre mercados, governos e instituições financeiras, apresentam um elevado grau de contaminação. É claro que essa disposição ao risco sem limites é decorrência direta do chamado “risco moral” (“moral hazard”), isto é, da garantia de que, caso algum desastre aconteça, eles serão socorridos de alguma maneira com dinheiro público, já que são “grandes demais para quebrar”.
A venda abusiva de produtos e serviços, a manipulação de taxas, a sonegação e a evasão fiscal são outras práticas globais que revelam a fragilidade e a vulnerabilidade do sistema como um todo. Revelam, também, falhas regulatórias e a ineficiência da ação educativa e coercitiva dos governos, que expõem suas economias a ameaças crescentes. Platt demonstra que diversos bancos internacionais reincidem nas condutas nocivas que levaram à crise de 2008, apesar de terem sido punidos com multas bilionárias. Por outro lado, o autor nega veementemente que a solução seja aumentar a burocracia e o grau de intervenção dos governos.
O fato é que ao cidadão comum não resta muito a fazer, já que é difícil encontrar um grande banco que não esteja envolvido com alguma das práticas elencadas no livro. O autor alerta que a recuperação econômica global dos últimos anos está fazendo governos relaxarem nas medidas de prevenção a abusos no sistema financeiro. Legisladores, reguladores e os próprios bancos se mostram cada vez mais lenientes diante da retórica lobista, da captura regulatória e da ação de grupos de interesse.
Para nossa vergonha, Platt dedica algumas páginas de “Capitalismo criminoso” à corrupção política em escala industrial que se espalhou pelo Brasil durante o ciclo lulopetista, citando o Mensalão e a Operação Lava Jato, bem como o envolvimento do PT e dos partidos da base aliada nesses escândalos – que já se tornaram referências internacionais quando o assunto é roubalheira. Dilma Rousseff é mencionada como tendo “manipulado dados contábeis para mascarar o problema do déficit governamental” – por si só, condição suficiente para o impeachment em qualquer país sério do mundo. Platt lamenta que, apesar de o julgamento do mensalão ter sido “um divisor de águas na justiça brasileira”, infelizmente os escândalos não cessaram no país: “Ao contrário, aumentaram.”
Voltado tanto para o leitor leigo quanto para o profissional da área, “Capitalismo criminoso” é uma leitura necessária, que revela em profundidade os mecanismos por meio dos quais bancos poderosos funcionam como um sistema de circulação de recursos ilícitos, que realimentam a corrupção global e perpetuam políticos corruptos no poder. É uma exposição clara e audaciosa de fatos que não deveriam mais ser ignorados por ninguém.
23 de fevereiro de 2017
in máquina de escrever
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