Entre abril de 2015 e maio de 2016, o jornalista e cientista político Rodrigo de Almeida foi assessor de imprensa do Ministério da Fazenda e secretário de imprensa da Presidência da República. Acompanhou de dentro, portanto, o declínio e a queda de Dilma Rousseff. No livro “À sombra do poder” (Leya, 224 páginas. R$ 39,90), ele faz um relato linear e relativamente objetivo da sucessão de acontecimentos funestos que marcaram o governo Dilma, da reeleição em 2014 até a interrupção definitiva de seu curto segundo mandato. Escrevi “relativamente” porque o esforço do autor para deixar clara sua lealdade pessoal à ex-presidente é evidente, o que compromete bastante a pretensa imparcialidade da narrativa.
Ainda assim, se comparado a outros livros sobre o impeachment escritos por intelectuais, jornalistas e historiadores ligados ao campo lulopetista, “À sombra do poder” pode ser considerado bem escrito e bastante interessante. A começar pelo subtítulo: “Bastidores da crise que derrubou Dilma Rousseff”; ou seja, admite-se que Dilma foi derrubada por uma crise gravíssima, política e econômica, provocada em parte por ela própria, e não por um golpe. A palavra “golpe”, aliás, aparece algumas vezes ao longo do texto, mas com moderação. Talvez porque, finalmente, o discurso do golpe esteja perdendo força, mesmo entre aqueles que defendem a ex-presidente. Já é um começo.
“À sombra do poder” é interessante, inclusive, pelo que Rodrigo de Almeida deixa escapar, aparentemente sem querer. O exemplo mais notável disso é quando o autor relata o episódio do vazamento do áudio do vice-presidente Michel Temer, no dia 11 de abril de 2016, data em que o impeachment avançou na comissão especial da Câmara dos Deputados, por 38 votos a 27, faltando ainda a aprovação no plenário para seguir para o Senado. No áudio, com o se sabe, Temer antecipava como seria um eventual governo seu.
Depois de registrar a indignação de Dilma e alguns diálogos de bastidores com auxiliares próximos – como os ministros Ricardo Berzoini e Jaques Wagner e o assessor especial Gilles de Azevedo, que a ajudaram a traçar a estratégia da reação – Rodrigo de Almeida escreve o seguinte:
“A mensagem de Michel Temer foi interpretada como um ‘discurso da vitória’, no qual o vice-presidente esboça o que seria um governo sob sua tutela. (...) Era também uma clara defesa do que NÃO faria; nos últimos dias, a ordem no governo era espalhar o temor de que, em caso de impeachment, o novo governo acabaria com os programas sociais” [página 207; grifo meu].
Ou seja, um assessor direto de Dilma Rousseff afirma com todas as letras que havia uma ordem no governo para espalhar mentiras contra Michel Temer. Pois, como o tempo demonstrou, Temer não acabou com o Bolsa Família (ao contrário, aumentou o seu valor) e outros programas sociais, alguns deles aprimorados). Parece grave.
Em vários momentos dos governos petistas houve acusações relativas a esse jogo rasteiro partindo de dentro do Palácio do Planalto – da deturpação de perfis de jornalistas críticos ao PT na Wikipédia a telefonemas a beneficiários do Bolsa Família alertando para o fim do programa, caso o PT perdesse a eleição. Mas tudo isso sempre foi negado. Agora a confirmação vem de um assessor de confiança da ex-presidente, que também registra a dura reação de Temer no áudio vazado: “Sei que dizem (...) que nós vamos acabar com o Bolsa Família, com o Pronatec... Isso é falso, é mentiroso e é fruto dessa política mais rasteira que tomou conta do país.”
Outro aspecto curioso do livro é que, apesar dos elogios recorrentes às características de temperamento (?) e à integridade pessoal de Dilma, o autor reconhece em diversos momentos a incapacidade da ex-presidente de governar o país que descia a ladeira e de administrar uma economia em colapso. Ou seja, sucessivos erros de avaliação, inapetência para o diálogo e para o jogo político, fracassos horríveis na política econômica foram traços marcantes dos anos Dilma mesmo para quem jogava do seu lado. É bem verdade que, como demonstra o autor, não foram poucas as ocasiões que as trapalhadas de Dilma se deveram a ideias desastrosas de auxiliares como o ministro Aloísio Mercadante.
Por fim, deliberadamente ou não, a narrativa de “À sombra do poder” ignora que Dilma Rousseff não sofreu impeachment por ser ladra, ou por ter dinheiro no exterior, ou por colocar dinheiro no bolso, nem muito menos por ser destemperada, dada a ataques de fúria e antipática – mas por ter cometido crimes de responsabilidade previstos na Constituição, crimes que foram julgados e condenados pelos poderes Legislativo e Judiciário – sem falar no julgamento das ruas. É assim que acontece numa democracia.
23 ee fevereiro de 2017
Luciano Trigo
in máquina de escrever
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