Desde o início da tramitação de procedimentos relacionados à Lava Jato no STF (Supremo Tribunal Federal), em 2014, a PGR (Procuradoria-Geral da República) e a Polícia Federal arquivaram pelo menos dez investigações que começaram a partir de depoimentos de delatores. De um total de 68 inquéritos e duas investigações preliminares abertos desde março de 2015, sete foram arquivados a pedido da PGR e três a pedido da PF, segundo levantamento feito pela Folha.
Os arquivamentos ocorreram por dois motivos: ou as afirmações do colaborador não puderam ser confirmadas pelos investigadores ou, quando ratificadas, não ficou caracterizado crime. Em pelo menos seis casos houve contradições entre diferentes delatores, e os investigadores não puderam definir quem falava a verdade.
Entre as informações não comprovadas estão trechos dos depoimentos prestados por Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, Alberto Youssef, doleiro no Paraná, Ricardo Pessoa, dono da UTC Engenharia, e Carlos Alexandre Rocha, o “Ceará”, que operava como entregador de dinheiro de Youssef.
METODOLOGIAS – O método de investigação da PGR, que comanda as apurações, é diferente do adotado pela força tarefa da Lava Jato na 13ª Vara Federal de Curitiba (PR), onde atua o juiz federal Sergio Moro.
A PGR decidiu pedir ao STF a abertura de um inquérito para cada parlamentar ou para grupos de parlamentares citados nas delações premiadas. Em Curitiba, em regra, a delação foi feita dentro de um inquérito em andamento.
No método adotado em Brasília, a investigação gira em torno de confirmar ou não a narrativa do delator, enquanto em Curitiba a delação geralmente serve para reforçar uma apuração.
Em outro ponto divergente, no momento dos depoimentos das principais delações comandadas pela PGR não há delegados da PF. A procuradoria argumenta, nos bastidores, que é uma forma de prevenir vazamentos.
SEM TIRAR DÚVIDAS – Um dos resultados é que a PF não consegue tirar suas dúvidas com os delatores. Os termos de depoimentos dos delatores já chegam prontos à polícia, cabendo-lhe confirmar ou não o conteúdo.
Nos pedidos de arquivamento, a PGR tem apresentado fundamentos e textos semelhantes. Informa ao STF a ausência de “elementos suficientes para a deflagração de ação penal” e ao mesmo tempo reconhece que as declarações dos delatores são “verossímeis”, embora “o esforço investigativo empreendido não tenha logrado êxito em angariar outras fontes que pudessem corroborá-las”.
O relator da Lava Jato no STF, Teori Zavascki, tem acolhido de forma automática os pedidos de arquivamento. Ele afirma, em suas decisões, que a jurisprudência do tribunal torna “irrecusável” o arquivamento quando solicitado pela PGR.
BENEFICIADOS – Os políticos sobre os quais houve arquivamento são os senadores Renan Calheiros (PMDB-AL), Antonio Anastasia (PSDB-MG), Aécio Neves (PSDB-MG), Humberto Costa (PT-PE), Lindbergh Farias (PT-RJ), Edison Lobão (PMDB-MA) e Randolfe Rodrigues (Rede-AP), os deputados federais Simão Sessim (PP-RJ) e Júlio Delgado (PSB-MG) e a ex-governadora Roseana Sarney (PMDB-MA).
Três desses, Renan, Aécio e Lobão, continuam sob investigação em outros inquéritos na Lava Jato no STF.
O fato de parte das declarações dos delatores ter sido arquivada não significa, entretanto, que eles tenham sido improdutivos para as investigações.
DELAÇÕES COMPROVADAS – Um grande número de informações trazidas à PGR pelos delatores foi comprovado durante as investigações oficiais. Um total de 19 denúncias havia sido formalizado pela PGR até a semana passada, quase todas, com exceção de uma, tendo como origem ou peso importante a declaração de um delator.
As declarações de pelo menos cinco delatores a respeito do ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (PMDB-RJ), por exemplo, foram confirmadas pela quebra de sigilo bancário no Brasil e na Suíça, de acordo com a denúncia apresentada pela PGR ao Supremo.
MÉTODOS DIVERGENTES – A PGR (Procuradoria-Geral da República), procurada pela Folha desde o dia 18, não se manifestou sobre o arquivamento de dez investigações da Operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal.
A Polícia Federal também preferiu não se manifestar. A reportagem apurou que há incômodo na PF sobre a maneira pela qual os depoimentos das delações são tomados, sem a participação de policiais, e sobre o momento em que são homologadas no Supremo Tribunal Federal a pedido da PGR.
Para os investigadores da PF, antes da homologação no STF deveria haver uma apuração prévia sobre o conteúdo dos depoimentos.
OPERAÇÃO ACRÔNIMO – Esse método já foi empregado pela PF com dois delatores na Operação Acrônimo, que investiga o governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel (PT).
Policiais também discordam que os inquéritos no STF sejam abertos a partir dos nomes dos parlamentares citados pelos delatores.
Esse método contraria uma orientação disseminada na instituição de se investigar fatos e crimes, e não pessoas.
27 de novembro de 2016
Rubens Valente e Camila Mattoso
Folha
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