"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

SOBRE A FÉ CEGA NA CRENÇA: SERIA UM ANESTÉSICO PARA OBTER SENSAÇÃO DE CONFORTO DIANTE DOMAL?



Eu não tinha nem 10 anos de idade quando, após assistir um programa na TV noticiando um crime bárbaro, praguejei e desejei a punição dos malfeitores. Reação mais do que normal. No crime, uma mulher havia sido estuprada e mutilada. Foi quando ouvi uma palavra de conforto “adulta”: “Ei, não pense isso dos sujeitos que fizeram esse crime. No fundo, eles também sofrem. Com certeza, eles não tinham oportunidades. No fundo eles são pessoas boas que foram obrigadas pela sua situação a fazerem isso. Eles no fundo tinham boas intenções”.

De imediato, senti uma sensação de conforto. Eu não precisava mais sentir indignação. Ver o mal de uma maneira compassiva pode ser uma forma de adquirir um anestésico em relação ao mundo. Não existe mais o “mal”, mas apenas um conjunto de “boas intenções que deram errado”. Trocamos a percepção do mundo como ele é para uma fantasia reconfortante. Nos tornamos absolutamente vulneráveis em troca de alguns segundos de conforto e prazer psicológico, provavelmente pela liberação de hormônios como endorfina, serotonina, dopamina e ocitonina pelo nosso cérebro. Praticamente um substituto para o Prozac, só que com muitos efeitos colaterais.

Por sorte, sempre gostei de ler sobre a natureza humana. Peguei apreço por Nietzsche quando não tinha nem 14 anos. Fui conhecer o material de Schopenhauer dois anos depois. A partir daí, se eu buscasse liberações de endorfina, serotonina, dopamina ou ocitonina pelo meu cérebro, o faria a partir de outros meios, não a partir de criação de percepções fantasiosas sobre os propagadores de atrocidades no mundo.

Um dos fenômenos mais recorrentes em boa parte da direita brasileira – podemos dizer que talvez metade dos liberais caiam nesse distúrbio – é a fé cega na crença. O fenômeno, que estudo há uns 2 ou 3 anos de modo mais detalhado, se manifesta em uma pessoa que não acredita no socialismo, por exemplo. Porém, mesmo não acreditando no socialismo, ela acredita na alegação de crença que o socialista diz ter. Isto é, ela se recusa a compreender a má intenção do socialista que, como todos sabem, quer ver as pessoas lançadas debaixo de um totalitarismo, com o único fito de atender ao interesse de seus líderes que adquirirão o poder tirânico. Mas a fé cega na crença faz com que o infeliz veja seu oponente de modo oposto: ele passa a ser visualizado como alguém que “tem boas intenções que dão errado” ou que “vive eternamente na busca pela perfeição”. É ridículo.

Algumas frases clássicas de quem está acometido pela fé cega na crença:
“Quando será que eles [os socialistas] vão aprender que o socialismo não funciona?”
“Boas intenções não são suficientes”
“Eles continuam não aprendendo que estatização dá errado”
“O socialista no fundo é um crente em projetos de ‘aperfeiçoamento do ser humano’ pela via do estado”
“Essa mania de controlar tudo para ‘fazer o bem’ nunca dá certo”
“O sistema (x) já fracassou na Venezuela. Por que tentam por aqui também?”

O termo fé cega na crença é adequado pois não há uma nesga de evidência que o socialismo seja “um conjunto de boas intenções que deu errado”. Logo, aquele com o distúrbio acredita na alegação de crença do oponente por um único motivo: fé cega. A pergunta que fica é: será que em troca de liberação de hormônios para conseguir sensação de prazer, vale criar uma vulnerabilidade diante do mal? Hoje em dia a ciência já mostrou que bons hábitos de vida, uma alimentação regrada e até um pouco de meditação podem ser úteis nesse sentido. As mesmas sensações de conforto e prazer psicológico também podem ser obtidas por diversos outros meios.

Em suma, não precisamos crer que os estupradores são “pessoas que querem fazer o bem, mas descuidam”, nem que o fraudador que vende bilhetes falsos “luta para ver você premiado”, nem que o hacker que invade redes “no fundo quer te ajudar a usar melhor sua conexão de Internet” e nem que o socialista “é apenas alguém querendo corrigir o mundo, mas se equivoca”. Podemos ver o ser humano como ele é. Se quisermos que nosso cérebro libere mais hormônios de prazer podemos buscar isso em outras fontes sem buscar criar vulnerabilidades patéticas em nossa mente e que só tendem a nos destruir.

Em suma, não precisamos da fé cega na crença. Não vá chorar agora, por favor.
17 de outubro de 2016
ceticismo político

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