Adiamento do debate em comissão da proposta de lei não elimina o risco de mais esta manobra para manter a impunidade no combate à corrupção
Não é porque o projeto de lei sobre “abuso de poder” só começará a ser discutido em comissão a partir de 16 de agosto, na volta do recesso do Congresso, conforme decidido ontem, que a ameaça da iniciativa ao combate do Estado à corrupção foi atenuada. O perigo permanece, apenas foi adiado.
A tramitação recente deste projeto de lei traz as impressões digitais dos interesses que o cercam. O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), explica que desengavetou esta iniciativa, em tramitação na Câmara até 2009, a pedido de um Supremo preocupado com desmandos de organismos do Estado no trato com os cidadãos.
O projeto estabelece punições a agentes públicos, por exemplo, no uso de algemas em detidos, procura evitar grampos sem autorização judicial — supõe-se que as gravações feitas pelo ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado com caciques do PMDB, inclusive Renan, seriam atingidas —, além de criar alternativas jurídicas para investigados se precaverem diante do Ministério Público.
As louváveis preocupações do Supremo estão, porém, sendo usadas, de maneira clara, por Renan Calheiros, um dos investigados na Lava-Jato, para retaliar o Ministério Público Federal, responsável por denúncias contra o senador junto ao Supremo.
Entende-se, então, por que o presidente do Senado instituiu a Comissão de Consolidação da Legislação Federal e Regulamentação da Constituição. Um nome pomposo com o único objetivo de aprovar o projeto de forma terminativa — sem necessidade de levá-lo a plenário. Toda esta manobra, contra a Lava-Jato e operações semelhantes, ficou ainda mais exposta quando assumiu a presidência da tal comissão Romero Jucá (PMDB-RR), outro atingido pela Lava-Jato.
Segundo a velha imagem, construíram o galinheiro dentro do covil das raposas. Essa operação, denunciada por procuradores e juízes, condiz com o clima de conspiração contra a Lava-Jato, no Legislativo, captado pelos gravadores de Machado em conversas a portas fechadas com Renan, Jucá, José Sarney e outros.
Talvez num rasgo de sensatez decorrente das reações à operação, Jucá atendeu senadores, adiou o início do debate do tema para meados de agosto, e reconheceu que o projeto poderá passar por outras comissões, como é desejado.
Não pode haver rolo compressor em assuntos como este. Até porque é evidente o que motiva a pressa — o interesse em se preservar a impunidade na corrupção, um universo em expansão constante.
Não se duvida que a sociedade precisa de defesas diante do Estado. Mas é inadmissível que se use este pressuposto para enfraquecer funções benignas do próprio Estado.
13 de julho de 2016
Editorial O Globo
Não é porque o projeto de lei sobre “abuso de poder” só começará a ser discutido em comissão a partir de 16 de agosto, na volta do recesso do Congresso, conforme decidido ontem, que a ameaça da iniciativa ao combate do Estado à corrupção foi atenuada. O perigo permanece, apenas foi adiado.
A tramitação recente deste projeto de lei traz as impressões digitais dos interesses que o cercam. O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), explica que desengavetou esta iniciativa, em tramitação na Câmara até 2009, a pedido de um Supremo preocupado com desmandos de organismos do Estado no trato com os cidadãos.
O projeto estabelece punições a agentes públicos, por exemplo, no uso de algemas em detidos, procura evitar grampos sem autorização judicial — supõe-se que as gravações feitas pelo ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado com caciques do PMDB, inclusive Renan, seriam atingidas —, além de criar alternativas jurídicas para investigados se precaverem diante do Ministério Público.
As louváveis preocupações do Supremo estão, porém, sendo usadas, de maneira clara, por Renan Calheiros, um dos investigados na Lava-Jato, para retaliar o Ministério Público Federal, responsável por denúncias contra o senador junto ao Supremo.
Entende-se, então, por que o presidente do Senado instituiu a Comissão de Consolidação da Legislação Federal e Regulamentação da Constituição. Um nome pomposo com o único objetivo de aprovar o projeto de forma terminativa — sem necessidade de levá-lo a plenário. Toda esta manobra, contra a Lava-Jato e operações semelhantes, ficou ainda mais exposta quando assumiu a presidência da tal comissão Romero Jucá (PMDB-RR), outro atingido pela Lava-Jato.
Segundo a velha imagem, construíram o galinheiro dentro do covil das raposas. Essa operação, denunciada por procuradores e juízes, condiz com o clima de conspiração contra a Lava-Jato, no Legislativo, captado pelos gravadores de Machado em conversas a portas fechadas com Renan, Jucá, José Sarney e outros.
Talvez num rasgo de sensatez decorrente das reações à operação, Jucá atendeu senadores, adiou o início do debate do tema para meados de agosto, e reconheceu que o projeto poderá passar por outras comissões, como é desejado.
Não pode haver rolo compressor em assuntos como este. Até porque é evidente o que motiva a pressa — o interesse em se preservar a impunidade na corrupção, um universo em expansão constante.
Não se duvida que a sociedade precisa de defesas diante do Estado. Mas é inadmissível que se use este pressuposto para enfraquecer funções benignas do próprio Estado.
13 de julho de 2016
Editorial O Globo
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