Menções a suposta influência de políticos com ministros em conversas privadas reveladas pela Operação Lava Jato atestam, ainda que involuntariamente, a incapacidade do STF de se manter afastado da disputa de poder.
Para os especialistas, as falas, em si, não provam nada, mas não há mecanismo que evite conjecturas. Ao contrário: faltam regras para encontros privados dos ministros, e a divulgação da agenda fica a critério do gabinete. Tampouco é estipulado quais temas entram na pauta do plenário e quando.
REGRAS IGNORADAS – As regras existentes, por sua vez, costumam ser ignoradas. O prazo de um pedido de vista, de duas sessões, raramente é observado. Decisões liminares, concedidas em caráter provisório por um único ministro, deveriam ser submetidas a plenário imediatamente. Mas podem perdurar por anos, até.
No calor da crise, questionamentos se acirram quando se trata de casos como o do afastamento de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) da presidência da Câmara. O Supremo demorou quase seis meses para deliberar, em meio a pressões para que o fizesse tanto antes quanto depois da sessão que abriria o processo de impeachment de Dilma Rousseff. Decidiu duas semanas depois, alegando ter seu próprio ritmo.
“Quando não há regra clara, abre-se um flanco para especularem”, afirmou o professor titular de direito da USP Virgílio Afonso da Silva.
NOMEAÇÃO DE LULA – O mesmo ocorreu quando da nomeação do ex-presidente Lula como ministro de Dilma. O ministro Gilmar Mendes a suspendeu, em março, em decisão liminar. Quando entrou na pauta do STF, apenas em abril, Teori Zavascki pediu adiamento. A presidente foi afastada, e o caso perdeu objeto.
O STF julga 80 mil casos por ano, a maioria dos quais em decisões monocráticas. Nos EUA, são cerca de 100 e na África do Sul, outro extremo, 25, compara Silva. O Supremo ainda viu crescer o número de julgamentos de políticos com foro privilegiado com a Lava Jato.
“Certo é que o STF não tem condições materiais de dirigir as centenas de investigações e instruir e julgar as centenas de ações penais originárias”, afirmou o ex-ministro do tribunal Carlos Velloso.
PERDE PRESTÍGIO – Espécie de referência moral, “o Supremo acaba engolfado na crise, perde prestígio e a aura de respeitabilidade”, observou Velloso. “A judicialização da política macula a função jurisdicional.”
Para Oscar Vilhena Vieira, diretor da Faculdade de Direito da FGV-SP e colunista da Folha, o foro privilegiado sobrecarrega o STF, gerando “um desgaste de sua autoridade, que poderia ser evitado se a função de julgar políticos estivesse melhor distribuída”.
Não é só isso. Com sessões televisionadas e larga jurisdição, o STF demandaria a discrição dos titulares. Constata-se, entretanto, um “excesso de manifestações individuais”, complementa Vieira.
CHOQUE DE PODERES – O pedido de prisão de caciques do PMDB pelo procurador-geral, Rodrigo Janot, causou nova controvérsia. O advogado Ives Gandra Martins disse temer “a criação de uma crise seletiva por parte do bom procurador-geral”. “Não é qualquer solicitação que deve ser examinada em função dos elementos apresentados, sem que outros aspectos, principalmente o do evitar uma crise nacional, sejam considerados”, disse.
O ex-procurador-geral Claudio Fonteles sai em defesa de Janot. “Ele não está inventando nada. Ele apresenta quadro probatório gravíssimo e se vale do instrumental jurídico para pedir o afastamento, via restrição da liberdade, porque pessoas continuam a obstruir a Justiça, e isso é um crime gravíssimo.”
Favorável ao foro, Fonteles não acha que o STF esteja sobrecarregado e diz ser “positivo que as controvérsias sejam judicializadas, porque é o caminho da democracia”.
18 de junho de 2016
Thais Bilenky
Folha
Nenhum comentário:
Postar um comentário