Se dependesse da equipe econômica, o pacote anunciado ontem pelo presidente interino, Michel Temer, teria sido muito mais duro. Em negociação com o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, o chefe do Executivo mandou retirar várias das propostas preparadas pelos técnicos, alegando que não havia clima político para levá-las adiante. Estavam no projeto inicial aumento de impostos e reajuste real zero para o funcionalismo público. Temer preferiu não comprar brigas e queimar todo o capital político neste momento. Alegou que as medidas anunciadas agora são suficientes para resgatar a confiança dos agentes econômicos e viabilizá-las no Legislativo.
No diagnóstico apresentado pelos técnicos, ficou claro que o país está quebrado. As contas não fecham. Seria preciso um arrocho muito duro para que, num prazo de dois anos, o país voltasse a registrar superavit primário. A aposta, agora, é de que, com o pacote que está na rua e depende quase que exclusivamente do Congresso, a perspectiva de retomada do crescimento se coloque no horizonte, ajudando a recuperar as receitas.
Isso afastaria a mais desgastante das propostas: o aumento da carga tributária. Caso a recuperação se mostre mais demorada que o desejado, aí, sim, a alta de imposto passará a ser opção quase que inevitável.
NÃO PODEM ERRAR
Temer e Meirelles sabem que não podem falhar. E não esconderam a frustração com parte do mercado, que viu com ceticismo as medidas que limitam gastos à inflação do ano anterior. Os investidores reclamaram, sobretudo, da falta de detalhamento do que foi anunciado.
Para técnicos do governo, será preciso gastar muita saliva a fim de dar a dimensão exata do impacto de se impor um teto para as despesas. Alegam que se trata de uma decisão muito agressiva. Nos últimos 17 anos, em apenas três as despesas do governo não cresceram mais que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Como gostam de usar o economês, chamam a medida de nominalismo, isto é, correção apenas pela inflação.
FORÇA DE MEIRELLES
A despeito das ressalvas dos investidores, todos têm a exata noção de que Temer entregou seu mandato, ainda provisório, nas mãos de Meirelles. O presidente interino precisa que a economia responda ao pacote para reduzir sua desaprovação popular rapidamente. Os números que o Planalto tem em mãos ainda apontam para uma atividade despencando, com o desemprego fazendo estragos nas famílias. A torcida é para que, com algumas das medidas aprovadas pelo Congresso, já em agosto ou setembro, a economia comece a reagir, estancando a sangria da arrecadação e reduzindo o total de demissões.
Temer não tem escapatória. A saída de Romero Jucá do Ministério do Planejamento sob suspeita de tentar melar a Lava-Jato abriu um flanco desnecessário e deu força aos que defendem a volta de Dilma Rousseff ao poder. O presidente interino ficou incomodado com isso.
Analistas dizem que até a queda de Jucá, eram remotas as chances de a petista voltar ao poder. Agora, a probabilidade passou a ser de 10%, baixa, mas perigosa, sobretudo se o governo não conseguir avançar com as medidas que prometem reverter o descalabro fiscal.
DEFESA DO PACOTE
Meirelles se encarregou que sair a campo para defender o pacote. Está se municiando de todos os números para desmontar teses de que o fracasso está no horizonte. O ministro não admite a possibilidade de repetir a trajetória de Joaquim Levy, que chegou à Fazenda com todas as pompas e saiu pelas portas dos fundos. Foi defenestrado dentro do governo e tratado com desdém no Congresso. A assessores, Meirelles tem cobrado empenho para que tudo o que for apresentado tenha consistência, não seja visto como bravata. Disso, o país está cheio.
O que o governo mais teme é que aspectos jurídicos acabem embarreirando propostas importantes, como a devolução de R$ 100 bilhões ao Tesouro Nacional pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Um dos criadores da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), José Roberto Afonso diz que há pareceres do Tribunal de Contas da União (TCU) contrários à operação. A Fazenda alega que tudo está nos conformes e que o banco não terá problema para fazer caixa, pois poderá vender todo tipo de títulos que tem em carteira.
HÁ CONTROVÉRSIAS
Como se vê, dúvidas não faltam. Por isso, quanto mais transparência o governo der às medidas e às negociações com o Congresso, mais consistente será o pacote e mais rápido virá a confiança. Investidores são bichos ariscos, sempre veem o diabo nos detalhes. Ficaram ainda mais arredios depois de tantas promessas não cumpridas de Dilma. Vários deles alegam que a presença de Meirelles na Fazenda é uma garantia de que não haverá estripulias na política econômica. Mas, sozinho, o ministro da Fazenda não fará milagre. Precisará de um bom empurrão da política.
Os investidores torcem para que o pacote de ajuste fiscal dê resultados logo para que o Banco Central possa “comprar” a proposta de redução do deficit público. A partir do momento em que houver uma clara direção na política de gastos públicos, a autoridade monetária poderá começar a reduzir a taxa básica de juros (Selic), que está em 14,25% ao ano desde o ano passado.
A redução do custo do dinheiro é a música que os agentes econômicos mais querem ouvir. Mas isso precisará ser muito bem combinado com o futuro presidente do BC, Ilan Goldfajn. Ele não está disposto a manchar sua biografia.
27 de maio de 2016
Vicente Nunes
Correio Braziliense
Correio Braziliense
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