"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sábado, 28 de maio de 2016

QUANDO O MÍNIMO É O MÁXIMO

A antipatia ao Liberalismo econômico foi fomentada em nosso país por dois motivos: a eficácia do PT em descolar de sua imagem as crises econômicas geradas por seus métodos e a dificuldade do eleitorado em compreender procedimentos como a privatização

Bastou Renan Calheiros confirmar, no dia 12 de maio, que tínhamos um novo presidente da República para que tornasse a pulular nos meios de comunicação de massa uma expressão que estava, digamos, “démodé” desde que Fernando Henrique passou o bastão para Lula em 2003: Estado Mínimo. Depois de mais de 13 anos de hibernação forçada, quando pronunciar esta expressão era sacrilégio dos mais graves e quase suicídio eleitoral para políticos, eu até imaginava que os debates sobre esse tema seriam menos rasos.

Mas que nada: segue a rotina de jornalistas fazendo cara de nojinho para proferir essa expressão; “analistas políticos” referindo-se a ela quase como um castigo dos abastados imposto aos menos afortunados; comentaristas de ocasião associando as imperativas medidas de austeridade como a chegada do bicho-papão liberal. The Winter is coming, e o Estado mínimo vem aí comer o seu fígado: eis a mensagem predominante quando se trata de discutir as propostas da equipe econômica de Michel Temer, a qual tenta, a duras penas, gerir o Brasil herdado do PT como se uma massa falida fosse (fosse?).

O principal argumento empregado por essas viúvas da esquerda é que essa agenda política teria sido derrotada em todas as eleições presidenciais desde 1998, em favor do modelo de expansão estatal. Não vou negar a realidade, mas é preciso que se tenha em vista que essa antipatia generalizada ao Liberalismo econômico foi fomentada em nosso país, basicamente, por dois motivos: a eficácia do PT em descolar de sua imagem as crises econômicas geradas por seus métodos que, invariavelmente, “matam a galinha dos ovos de ouro” e depois saem gritando que foi uma raposa – que ninguém mais viu; e a dificuldade do eleitorado em compreender a repercussão positiva direta de procedimentos como privatização, redução de gastos públicos, responsabilidade fiscal e abertura econômica em suas vidas– pelo contrário: munido de chavões ideológicos embutidos em suas mentes por sindicalistas e demais “movimentos sociais” bancados com recursos públicos, o brasileiro médio repudia tais instrumentos, pois foi doutrinado pela esquerda a vê-los como sinônimo de empobrecimento.

Quem sabe um pouco dessa ojeriza não se dissipe se começarmos, então, explicando que Estado mínimo (restrito apenas à prestação jurisdicional e segurança pública) é uma meta perseguida por adeptos do Libertarianismo, e que não há libertários no governo Temer? Observe-se a linha que separa a esquerda da direita, e observe a posição histórica do PMDB. O critério para posicionar partidos e correntes de pensamentos é o grau de liberdade do indivíduo X grau de interferência estatal – mais liberdade, mais para a direita; mais Estado, mais para a esquerda:

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Como não poderia deixar de ser, todos os regimes totalitários, onde o Estado concentra todo o poder em sim mesmo (Comunismo, Fascismo, Nazismo) estão na extrema esquerda. Na extrema direita reside o regime anárquico, onde não há autoridade governamental constituída, comum no período anterior à civilização. Em comum entre ambas, a utopia de considerar que prescindir totalmente do Estado ou da liberdade individual pode trazer bons resultados.

E no centro, está precisamente o PMDB, partido justamente criticado por ser fisiológico, capaz de se adaptar a qualquer ideologia que esteja no comando, a fim de governar a seu lado e colher os frutos dessa simbiose. Todavia, desta vez, acredito que o maior defeito do partido de Temer pode acabar virando sua maior virtude.

Explico: Por não ser adepto ferrenho de nenhuma das vertentes acima explicitadas, o PMDB pode, sem contrariar princípios partidários (quais mesmo?), fazer o que é necessário para recuperar nossa economia. E o que é necessário para tirar o Brasil da estagflação? Tudo o que o foi declarado por Temer no dia de seu primeiro pronunciamento: redução do número de cargos em comissão e ministérios, reformas trabalhista e previdenciária, transferir empresas estatais para a iniciativa privada, entre outras medidas saneadoras. E isso tudo não é defender Estado mínimo, mas sim apertar os cintos para atravessar a turbulência severa em que nos metemos. Ou alguém já viu partidários de Estado mínimo assegurando que benefícios sociais serão mantidos?

Mas por que o PMDB está adotando este expediente? Querem para si o capital político de terem resgatado o Brasil da depressão econômica? Talvez. Mas o principal motivo é que, para que a política continue “valendo a pena” (sim, eu quis dizer financeiramente, para os políticos) é necessário, urgentemente, ressuscitar a galinha dos ovos de ouro! Daí alguém questiona: e por que o PT não faria isso então, já que também, por certo, quer que a política continue “valendo a pena”? Por que o PT tem “princípios” a seguir: ele não quer, não pode, não sabe, não consegue fazer o ajuste fiscal necessário para desatolar nosso economia (o fracasso de Joaquim Levy, duramente atacado por setores do próprio PT, corrobora tal assertiva). Partidos de esquerda gostam de surfar na onda da riqueza, mas produzi-la são outros 500 (bilhões de reais).

E se outra pessoa questionar: mas o caos não é necessário para transformar um país em uma ditadura, tal qual Nicolás “há um golpe em curso no Brasil” Maduro tem feito com a Venezuela, e esse, portanto, seria o real motivo do PT assistir de forma contemplativa nossos índices econômicos degradarem-se? Eu teria bastante dificuldade em responder não, confesso. Mas é preciso notar que esse hábito de países em crise econômica chamarem os liberais para descascar o abacaxi não é mais uma típica jabuticaba brasileira, e sim um fenômeno recorrente no mundo e na história.

Tomemos, primeiramente, o exemplo caseiro: a década de 1990 nos apresentou um socialdemocrata que, diante da necessidade, deu continuidade a abertura de nossa economia (iniciada por Fernando Collor), reduziu a participação do Estado na economia (transformando empresas deficitárias como a Embraer em multinacionais geradoras de empregos e divisas), criou mecanismos de imposição de responsabilidade fiscal a governantes, e conseguiu reduzir a inflação. Ao final, o Brasil ainda era um país de terceiro mundo, mas estavam criadas as bases para o desenvolvimento econômico do país.

Os países escandinavos também não escaparam do clássico ciclo “enriquece com medidas liberais/adota medidas de cunho socialista/chama os liberais de volta correndo”. Segundo o economista Stefan Karlsson, até a década de 1850, a Suécia apresentava índices de desenvolvimento humano baixos. A partir de 1860, passou a dotar medidas de livre mercado, as quais, na esteira da revolução industrial, beneficiaram a economia do país, permitindo um grande aumento do número de empreendedores – época em que Volvo, Saab e Ericsson foram fundadas. Neste ritmo, a Suécia teve o maior crescimento de renda per capita mundial entre 1870 e 1950, tornando-se uma das nações mais ricas do mundo, sendo que os gastos estatais eram inferiores a 10% do PIB. Todavia, entre 1950 e 1975, os gastos subiram de 20% para 50% do PIB, com a ascensão dos socialdemocratas ao poder. Uma coalizão de centro-direita chegou ao poder em 1976, mas somente a partir de 1986 a Suécia aboliu os controles de moeda e reduziu impostos – como quase todo remédio, o impacto imediato foi amargo: até 1994, a economia sueca ainda estava em queda, enfrentando ajustes necessários por anos de irresponsabilidade do governo, papo que não me é estranho. Novas reformas foram adotadas, privatizações foram feitas e vários setores foram desregulamentados, permitindo a recuperação do país.

Ou seja, muito embora a esquerda aponte a Suécia como um exemplo de um país de Welfare State rico, é forçoso afirmar que a Suécia é rica apesar de conceder muitos benefícios a seu povo, mas em decorrência de suas reformas liberais. Para efeito de comparação, as empresas brasileiras demoram, em média, trinta de nove dias para exportar mercadorias; as suecas, oito, devido, especialmente, à baixíssima burocracia. De se notar que os benefícios estatais pagos aos suecos tem aumentado em valores brutos, mas tem diminuído em relação ao PIB – a boa e velha responsabilidade fiscal, tão em falta no Brasil.

Os Estados Unidos, ao que tudo indica, estão prestes a entrar neste ciclo: enriqueceram muito devido a décadas de governos Liberais (inclusive de políticos Democratas, como Bill Clinton, que governou o país durante o maior crescimento econômico da história norte-americana, bem como herdou o maior déficit da história e inverteu o quadro, deixando para o sucessor George W. Bush um superávit de US$ 230 bilhões) e, hoje, há forte pressão popular por medidas de distribuição de renda. O curioso é que eles atingiram o “sonho socialista”, de uma vida digna até mesmo para os menos abastados, por meio do capitalismo. Mas isso não é uma ironia: é a realidade deixando um recado muito claro!

O roteiro é sempre muito semelhante, e a Argentina acabou de entrar na fase de recuperação deste ciclo. Esperamos que o Brasil também. Quanto antes começar, melhor. E quanto antes os brasileiros começarem a entender que guinadas à direita são imprescindíveis em determinados momentos históricos, melhor ainda.



28 de maio de 2016
Ricardo Bordin, Veja

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