"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

terça-feira, 10 de maio de 2016

POR UM CÓDIGO DE CONDUTA PARA O CHEFE DA AGU

A leitura, com atenção, da Constituição brasileira revelará uma quantidade considerável de inovações institucionais. Eis algumas delas, a título de ilustração: a) a afirmação do Estado Democrático de Direito; b) o princípio da dignidade da pessoa humana; c) os objetivos fundamentais do Estado; d) os princípios regentes da Administração Pública e e) a abertura da jurisdição constitucional. Uma das mais importantes dessas novidades foi a conformação, apartada dos Poderes clássicos do Estado, das Funções Essenciais à Justiça (Ministério Público, Defensoria Pública, Advocacia Pública e Advocacia Privada).

Nesse sentido, a Advocacia-Geral da União (AGU) não é um órgão, não é uma autarquia e não é um ministério. A AGU é uma instituição de Estado que: a) representa, judicial e extrajudicialmente, a União, suas autarquias e fundações (portanto, os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário) e b) realiza a assessoria e consultoria jurídicas do Poder Executivo Federal. Essas elevadas missões constitucionais são efetivadas por cerca de 8.000 (oito mil) advogados públicos federais concursados (Advogados da União, Procuradores da Fazenda Nacional, Procuradores Federais e Procuradores do Banco Central).

A Constituição impõe, portanto, uma profunda mudança de paradigmas na identidade e na atuação da Advocacia Pública por seus membros e dirigentes. A AGU, obviamente, não pode funcionar como um conjunto de advogados à disposição, para toda e qualquer providência, de interesse dos gestores de plantão.

O desenvolvimento da nova identidade da Advocacia Pública como Advocacia de Estado, e não como advocacia de governo ou de partido, não é algo simples. Várias questões sensíveis precisam ser enfrentadas e equacionadas. Esse difícil caminho passa necessariamente: a) pela fixação das prerrogativas pertinentes para a atuação eficiente e republicana dos integrantes da instituição; b) pela aprovação da PEC 443 (fixa a paridade remuneratória entre as carreiras existentes nas Funções Essenciais à Justiça); c) pela aprovação da PEC 82 (define uma responsável autonomia para as instituições da Advocacia Pública); d) pela escolha do dirigente máximo da instituição mediante lista tríplice formada e composta por membros da AGU e e) pela edição de uma nova e moderna lei orgânica, definidora de uma gestão democrática, participativa e afastada das cadeias de comando e obediência construídas em torno de cargos comissionados.

A construção e consolidação do projeto da Advocacia de Estado interessa à sociedade brasileira e à cidadania. Somente uma Advocacia de Estado poderá exercer na plenitude seu papel, notadamente preventivo, de combate sem tréguas a todas as formas de corrupção e barrar as tentativas de captura da instituição para viabilizar interesses escusos de governos, governantes e partidos políticos.

Ocorre que a importância e a respeitabilidade da instituição e de seus membros são diariamente atacadas pelo comportamento profundamente equivocado do atual Advogado-Geral da União, o senhor José Eduardo Martins Cardozo. Vale registrar que o AGU anterior, senhor Luís Inácio Lucena Adams, também trilhou o mesmo caminho.

Não se trata censurar a defesa de autoridades federais e seus atos. Afinal, o exercício das competências constitucionais da AGU abrange a defesa de agentes públicos e seus atos institucionais, praticados nos marcos da juridicidade, sem desvio de finalidade. A Lei n. 9.028, de 1995, explicita esse desdobramento lógico das competências constitucionais da AGU. A Portaria AGU n. 408, de 2009, regulamenta os procedimentos a serem observados nesses casos.

O que precisa ficar muito claro é que a AGU e seus membros não defendem sempre e em qualquer caso os agentes públicos e os atos praticados por eles. Existem procedimentos e critérios (como a ausência de desvio de finalidade) a serem observados com rigor, de preferência por órgãos colegiados democraticamente compostos.

Portanto, é correta a crescente condenação da conduta adotada pelo atual Advogado-Geral da União. Testemunha-se uma postura inequivocamente incompatível com a condição de dirigente máximo de uma instituição de Estado com a missão constitucional de representar, com igual empenho e eficiência, os três Poderes da República (Executivo, Legislativo e Judiciário). Esquece, o atual AGU, que a instituição liderada tem responsabilidades de atuar em defesa de atos dos poderes constituídos que podem carregar conteúdos visceralmente opostos aos efusivamente declarados e festejados por ele. Pode, a AGU, ser chamada a fazer a defesa judicial da Câmara dos Deputados no tocante à autorização para abertura de processo de impeachment, no Senado, em relação à Presidente Dilma Rousseff.

O triste quadro atualmente vivenciado na AGU alimenta uma ideia antiga. Trata-se da construção de um código de conduta para o dirigente máximo da instituição. Esse conjunto de regras de comportamento do Advogado-Geral da União contemplaria, entre outras, as seguintes definições: a) vedação da atuação como porta-voz do Governo; b) impossibilidade de participar em atos, ou de promovê-los, com caráter político-partidário; c) não atuar em situações de potencial conflito entre os Poderes da República (a ser realizada por outros integrantes da AGU) e d) manter uma atuação prudente e discreta, sobretudo em relação aos vários interesses em disputa na arena política.

Essas, e outras, diretrizes de conduta do Advogado-Geral da União seriam controladas por um Conselho Superior da instituição ampliado, fortalecido, não dominado por ocupantes de cargos comissionados indicados pelo próprio AGU e com representantes escolhidos pelo Poder Legislativo, Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública e Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Vê-se, portanto, que é longo, penoso, mas fecundo, o processo de afirmação da Advocacia-Geral da União como uma instituição forte, autônoma, valorizada e construtiva.


10 de maio de 2016
Aldemario Araujo Castro, advogado, é Procurador da Fazenda Nacional, Professor da Universidade Católica de Brasília - UCB, Mestre em Direito pela Universidade Católica de Brasília - UCB

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