"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

terça-feira, 13 de outubro de 2015

SEBASTIÃO SALGADO CULPA PAÍSES OCIDENTAIS PELA CRISE DOS REFUGIADOS


Salgado lamenta o que aconteceu com Iraque a Líbia
Mais importante fotógrafo brasileiro, Sebastião Salgado, 71, viajou por Etiópia, China, Colômbia, Brasil e muitos outros países a fim de registrar plantações e trabalhadores do café, esforço que resultou no livro “Perfume de Sonho”, que ele lança agora.
Mas as questões sociais e as tantas tragédias que documentou não foram deixadas para trás. Neste ano, Sebastião retornou aos arquivos de 1991 para resgatar o material produzido sobre os trabalhadores que lutaram para apagar o fogo dos poços de petróleo queimados a mando de Saddam Hussein.
A recuperação de imagens nunca publicadas resultará em um novo livro, a ser publicado em junho do ano que vem pela editora alemã Taschen.
Após lançar “Genesis”, o sr. publica um livro sobre o café, obra que também discorre sobre a relação entre o homem e a terra. Abandonou a temática das tragédias? 
A vida é feita de fases. Trabalho em um grande projeto ambiental no Brasil, então a minha ligação com o tema é muito forte.
Estou fazendo outro trabalho, sobre a Amazônia, que trata da problemática indígena, uma problemática social, mas ligada ao meio ambiente.
Claro que trouxe essa aproximação para onde me sinto confortável para trabalhar. É o meu mundo hoje. Começamos um projeto ambiental com a [empresa italiana de café] Illy, daí veio este livro.
O sr. volta a fazer parceria com uma empresa. O caminho para viabilizar projetos é esse?
É um dos caminhos. No caso da Vale, com o “Genesis”, trata-se de uma empresa que a gente conhece desde o início do nosso projeto ambiental, é o nosso maior parceiro.
Olha, você não pode negar, vivemos num mundo em que as empresas são a base da sociedade, tudo o que consumimos vêm delas, então tem que haver respeito. Existe uma tendência de vilipendiar, mas nós mesmos somos as empresas. Quando a gente tem um pouco de dinheiro, o banco logo propõe a compra de ações. Acaba que todo mundo é proprietário também. Então pode ser um caminho. Foi o caso com esses projetos, mas o trabalho novo não é assim.
Sobre o que será esse trabalho?
Registrei em 1991 os poços de petróleo do Kuwait que [o ex-ditador] Saddam Hussein colocou fogo. Foram emitidos ali, queimados ou jogados no terreno, mais de 1 bilhão de barris de petróleo. Fiz um trabalho grande, mas o material usado no livro “Trabalhadores” entrou quase que marginalmente. Neste ano, reeditei as folhas de contato, e o resultado será um livro excepcional de cem fotografias que sairá em junho. O lançamento será nos 25 anos da primeira publicação dessas imagens no “New York Times”. Aí não tem empresa, não tem nada.  Fotografei empresas americanas e canadenses que estavam lutando contra o fogo, mas o livro é uma história humana. Os verdadeiros heróis da Guerra do Golfo foram as pessoas que apagaram o fogo dos poços de petróleo. O que se conhece desse material são sete ou oito fotos.
A questão dos refugiados, abordada em “Êxodos”, voltou com força. Como olha o assunto a partir do que já testemunhou?
É um drama sério. Hoje fala-se muito sobre a questão porque está chegando na porta dos países que detêm grande concentração financeira do mundo, que são o “berço” da nossa sofisticada civilização. Mas o problema é grave há dezenas de anos. Como essas pessoas estão chegando à Europa, parece que a história é nova, mas não é nova, não. É a história da globalização. Quando conheci o Iraque, era um lugar rico, onde as pessoas trabalhavam, tinham residências, viviam em paz. Um país imaginou que lá havia armas de destruição em massa e o trouxe para a idade da pedra. No Iraque hoje ninguém tem casa, bomba explode todos os dias, é um país fisicamente destruído. Para onde você quer que esse povo vá? Olha o que aconteceu na Líbia: era uma estabilidade, de uma ditadura, mas os líbios viviam de maneira razoável. Tomou-se a decisão de botar o [ditador líbio] Gadaffi para fora. Bombardeios, tropas francesas e britânicas entraram com os rebeldes, mas eles não tinham ideia da casa de marimbondo em que estavam mexendo. De onde saem milhares de refugiados que hoje atravessam em direção à Itália? Você joga com a história dos outros e depois sofre as consequências.
Isso dá margem para defender a manutenção de ditaduras.
A intervenção no Iraque não foi para acabar com a ditadura. Foi por petróleo. Na Líbia também. Eu não sou a favor de ditadura nenhuma, hein? Mas acho que esse tipo de intervenção tem que ser muito bem calculada, porque as consequências podem ser brutais. Você não pode aceitar que a violência seja impressa numa realidade histórica qualquer, de cima para baixo. Você destrói tudo.
O senhor está retornando a Paris, onde vive. O que achou do Brasil neste momento? 
Eu fui economista, e tudo na economia é expectativa. O Brasil começou uma espécie de negação a todos os níveis de um sistema. Começou na negação da Copa, negação das autoridades, negação de todo o poder constituído. Mas, pela primeira vez, a classe dirigente corruptora está na cadeia, isso é uma conquista colossal. Não estou falando de partidos, estou falando de um momento fabuloso na história do país. O Brasil vai voltar. É uma questão de expectativa.
Qual é a sua expectativa?
Você não consegue passar de uma etapa a outra sem viver intensamente a sua história. A partir daqui vamos chegar a uma série de aprendizados. Se você pegar a quantidade de doações de empresas que ia para as campanhas de Dilma, Aécio, Marina… Nenhum brasileiro pode considerar uma coisa daquela razoável. Você investe centenas de milhões numa campanha política. Onde é que você imagina que vai tirar o lucro? Aquilo ali é uma forma indireta de corrupção. O Senado vetou as doações de empresas privadas a campanhas, a Câmara abriu a lei outra vez, e o Supremo fechou de novo. Pelo menos temos um resíduo moral neste país.
Seu filho dirigiu “O Sal da Terra”, sobre a sua vida. Se sentiria confortável se outra pessoa, e não ele, tivesse feito o filme?
Acho difícil, porque eu não ia dedicar todo o tempo que dediquei ao meu filho e ao Wim Wenders. É uma ocupação num momento muito pesado da nossa vida. Você só faz isso para o seu filho.

(entrevista enviada pelo comentarista Mário Assis)

13 de outubro de 2015
Daigo Oliva
Folha


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