"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

terça-feira, 13 de outubro de 2015

A LIÇÃO DA ESPANHA


Felipe Gonzalez, Adolfo Suárez e o rei Juan Carlos
MADRID – Mino Carta, diretor da “Isto É”, me convidou em 1977 para ir à Espanha acompanhar a campanha eleitoral da Constituinte espanhola, que deveria ser convocada para breve. O general Franco morrera em 20 de novembro de 1975 e o franquismo estrebuchava seus 41 anos de ditadura. Logo no dia 22, o príncipe Juan Carlos (nasceu em Roma em 1938) foi proclamado Rei da Espanha (37 anos) e iniciou a brilhante operação política da abertura, anunciando uma Monarquia democrática.
E o Rei surpreende a Espanha e o mundo. Chama o jovem Adolfo Suarez, 44 anos, para presidente. Começava a grande lição da Espanha. E eu lá na aula. Cheguei a Madri com a Constituinte convocada e os partidos saindo da clandestinidade e começando a campanha eleitoral. Além da “Isto É”, escrevi para a “Tribuna da Imprensa” (Rio) e o “Correio Braziliense” (Brasília) e escreveria meu livro “A Lição da Espanha”.
ENCONTRAR OS LÍDERES
Vim para cá com um projeto na cabeça: conversar primeiro com os lideres dos principais partidos, ainda escondidos. Não conhecia ninguém. Levei o telefone do jovem e brilhante empresário Pedro Grossi, que tinha um escritório em Madri. Na sala pequena, só a mesa dele e outra, menor, de um jovem assessor sentado ao lado. Contei meu problema. Como fazer para falar com Santiago Carrillo, o velho líder do Partido Comunista?
O Grossi sorriu. E o rapaz me perguntou se iria com ele a Barcelona encontrar Carrillo. Claro que sim. Mas e a policia? Ele não esta escondido? Estava, mas, indo com ele, Carrillo me receberia sem problema.
– Como é que você pode me garantir que irei seguro?
– Porque ele é meu pai.
Ele me pegou cedo no hotel e lá fomos nós, no carro dele. Baixo, rechonchudo, 62 anos, testa larga, cabelos escuros, cara de padre sem batina, ar tranquilo e bonachão de quem estava em paz com a vida, Carrillo já tinha saído do exilio na França e vivia em uma casa discreta no subúrbio de Barcelona. Era um dirigente comunista simples e modesto. A longa entrevista dele fez sucesso no Brasil, na Europa e na Espanha.
Começava com sorte minha maratona espanhola.
OS TRÊS
O nome dele era Isidoro. Todo mundo sabia quem era, mas ninguém sabia como ele era. Secretário-geral do PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol), o mais antigo do pais, fundado por Pablo Iglesias em 1879, era o grande enigma da abertura que viria. Nascido em 5 de março de 1942, na Faculdade atua entre os grupos universitários católicos. Em 1962, conhece um grupo de colegas socialistas já organizados (são como irmãos até hoje), Afonso Guerra, Guilhermo Galeote e Luis Yanez. Tinham um projeto: assumir o comando do Partido Socialista em Sevilha, a partir daí o governo. Vinte anos depois, em 1982, conseguiram.
Em 72, vão ao congresso do PSOE na França, entram para a direção nacional. Em 74, Isidoro se elege secretário-geral, derrotando o velho Rodolpho Lopis, 79 anos, herói da guerra civil. Muda-se para Madri, sempre clandestino e sempre Isidoro. Foi aqui que o conheci, em 1977, os cabelos negros, cheios, caindo sobre o pescoço, a barba cerrada, um discurso forte e 35 anos. Em dezembro de 76, havia convocado a imprensa e anunciado que o PSOE voltava à legalidade depois de 40 anos proibido.
ERA FELIPE
Já não era mais Isidoro. Era Felipe, Felipe Gonzalez, “El caballo” (o cavalo). Nas eleições de 15 de junho de 77 para a Constituinte, seu partido fez 28,51%% dos votos. O Partido Comunista de Santiago Carrillo, 9,025%. A Aliança Popular, a direita ex-franquista, do galego Fraga Iribarne, 8,19%. O Partido Socialista Popular, do velho professor da Universidade de Salamanca, Tierno Galvan, 4,29%. Ganhou a UCD (União do Centro Democrático) de Adolfo Suarez, chefe do governo, com 34,34%.
Só em 82 Felipe e seu PSOE ganhariam as eleições. Mas aquela Constituinte era uma lição para o mundo. Depois de 41 anos de ditadura, a Espanha entregava o pais à competência, determinação e sabedoria de três jovens: o rei Juan Carlos, 39 anos; o chefe do governo Adolfo Suarez, 45 anos; e Felipe Gonzalez o líder da oposição, 35 anos.
Os três construíram a nova Espanha. Em 1992, em Madri, nos 500 anos da chegada de Cristóvão Colombo às Américas, ouvi Felipe Gonzalez, presidente da Espanha, dizer a Fernando Collor, presidente do Brasil:
– Fernando, governar é resistir.
COMO JK
Uma noite de lua, na praça de velhas pedras gastas de Diamantina em Minas, um grupo de garotos conversava sobre o que iam fazer da vida:
– Eu vou ser presidente da República.
E Juscelino Kubitschek foi presidente da República.
Uma noite de verão, na praça de velhíssimas pedras gastas de Ávila, na Espanha, um grupo de jovens conversava sobre o que iam fazer da vida.
– Eu vou ser o presidente da Espanha depois de Franco.
E Suarez foi o primeiro presidente da Espanha depois de Franco.

13 de outubro de 2015
Sebastião Nery

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