As empresas Ultragás, Ford, GM e Volks teriam financiado, com recursos financeiros e suporte logístico, a repressão e tortura nos anos de chumbo da ditadura civil e militar (1964-1985). É o que revela com exclusividade ao Diário da Manhã o jornalista de O Estado de S.Paulo e autor do bombástico A Casa da Vovó – Uma biografia do DOI-Codi (1969-1991), o centro de sequestro, tortura e morte da ditadura militar, Alameda Editora, 611 páginas, lançado no final de dezembro de 2014.
O escritor afirma ainda que o agente Vinícius, que mudou de lado e passou a colaborar com os homens da caserna, o que destroçou o Partidão (Partido Comunista Brasileiro), com as mortes e desaparecimento dos corpos de dez membros do seu Comitê Central, seria Severino Teodoro de Melo. Mais: Jota, o infiltrado que teve participação na delação e morte de pelo menos 20 militantes da Ação Libertadora Nacional, criada pelo carbonário baiano Carlos Marighella, mora, hoje, em Brasília, “sem crises de consciência”.
Marcelo Godoy avalia que infiltração, tortura e isolamento social explicariam a derrota política e militar da luta armada. Ele aponta a sucessão de quedas do Movimento de Libertação Popular, o Molipo, de extrema-esquerda, uma dissidência da ALN deflagrada na Ilha dos Irmãos Castro, Cuba.
Dezoito guerrilheiros morreram, seis deles em Goiás, à época, entre os anos turbulentos de 1972 e 1973. Ele destaca, porém, que há exatos 30 anos não ocorre uma sublevação militar, no Brasil, o que é algo inédito na República.
De quem foi a ideia de criar o DOI-Codi?
O ato de criação da Operação Bandeirante (Oban), a precursora do DOI, é do general José Canavarro Pereira, então comandante do 2º Exército. Em um sentido mais amplo, podemos dizer que a ideia de se criar o DOI atendia a uma exigência da doutrina militar usada para justificar o combate às organizações da esquerda naqueles anos: a Doutrina da Guerra Revolucionária. Mas ela só se tornaria realidade depois que o capitão Carlos Lamarca decide aderir à guerrilha, em 1969.
Quais grupos empresariais o financiaram?
O grupo Ultra, a Ford, a GM, a Volks, banqueiros como Gastão Vidigal e outros. As colaborações eram em dinheiro ou em equipamentos, como veículos, móveis, etc.
Como o senhor conseguiu que ex-agentes do DOI lhes dessem depoimentos?
Essa pesquisa nasceu de uma outra, sobre o papel da Polícia Militar no regime. Foi procurando policiais para conversar sobre o período que encontrei os primeiros homens que haviam trabalhado no DOI. No começo, foi difícil. Um deles, por exemplo, trouxe a tiracolo duas vezes um coronel – que fez o primeiro contato – para testemunhar as entrevistas. Não me deu nome, nem nada.
Só no terceiro contato ele consentiu em falar comigo diretamente e se identificou. Por meios desses primeiros agentes, fui descobrindo os demais. Procurei antes de tudo compreender suas motivações.
Ouvir suas versões para depois confrontá-las com outros depoimentos e documentos. Conforme ia crescendo o número de pessoas ouvidas, tornava-se mais fácil convencer os demais a falar. Mas creio que sem o auxílio de dois coronéis da PM que me apresentaram os primeiros agentes dificilmente teria chegado aonde cheguei.
Apenas infiltração não explica, mas qual o motivo do fracasso da luta armada?
Sem dúvida não explica. A infiltração era só uma das armas usadas pelos militares. Havia outras tão importantes quanto, como a tortura. Veja, no livro trato sobre como e por que o DOI agiu dessa forma.
A explicação militar é apenas uma e talvez nem seja a mais importante para definir por que a luta armada foi derrotada.
Outros autores, como Marcelo Ridenti e Daniel Aarão Reis, estudaram isso mais a fundo. E creio que eles estão certos quando dizem que o projeto da luta armada foi derrotado porque a população não se identificou com ele.
Veja, os franceses criaram na Argélia nos anos 1950 uma estrutura que serviu de modelo para o DOI: o DOP. Só em Argel, o então major Paul Aussaresses fez desaparecer seis mil pessoas. Mas isso não impediu que, vitoriosos militarmente, os franceses tivessem de se retirar do país e conceder a independência à colônia. É que o povo argelino se identificou com o projeto de libertação da FLN.
O que justifica a atuação do órgão de 1985 a 1991, depois da volta dos militares à Caserna?
Os militares respondem isso de uma forma simples: “a guerra” só havia mudado de forma. Em vez de ele começar e terminar com o primeiro tiro de fuzil ou de canhão, ela começava com o primeiro panfleto distribuído. A redemocratização do País, para eles, havia mudado só a forma com que se apresentava a ameaça comunista – em vez de armas, ela agora se mostrava por meio de outros instrumentos, como a disputa eleitoral e o chamado trabalho de massas.
(entrevista enviada por Sergio Caldieri)
02 de fevereiro de 2015
Renato Dias
Diário da Manhã
Nenhum comentário:
Postar um comentário